Pedro Nuno Santos é secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares — e é, ainda por cima, como brinde, muito inteligente. Nuno Sá é deputado do PS — e também é, por acumulação, inteligentíssimo. Essa aplicação da escala Einstein à política não é feita por mim. É feita — lamento dizer, até porque sou especialmente susceptível a sentimentos de vergonha alheia — pelos próprios. Mas teme-se que um e o outro estejam a cometer o desagradável erro de confundir inteligência com cinismo — ou de confundir a sua eventual inteligência com a possível burrice dos outros.

Comecemos por Pedro Nuno Santos, que exibiu a sua fulgurante inteligência no congresso da JS onde foi eleita Maria Begonha, por entre um nevoeiro de suspeições e de investigações. Com o seu discurso no fim de semana, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares fez uma defesa tão convicta dos malabarismos curriculares da sua apaniguada que se transformou, queira ou não queira, no fiador da credibilidade política da nova líder da Juventude Socialista.

Maria Begonha exibia um mestrado inexistente no site da sua candidatura e na sua página pessoal no LinkedIn? Tudo um equívoco, jura Pedro Nuno Santos, que garante ter a certeza absoluta, sintética e analítica de que os dados estavam certinhos. Era impossível ser mais definitivo do que isto: “Eu sei porque vi”. Pedro Nuno Santos viu.

Maria Begonha tinha informações insufladas no currículo entregue na Câmara para se tornar assessora? Tudo mentira, jura Pedro Nuno Santos, apesar de uma presidente de junta do PS admitir que, de facto, a realidade contraria os documentos. O secretário de Estado e inspirador da nova liderança da JS foi novamente definitivo: “Eu sei, como muitos de vocês sabem, que a Maria nunca mentiu sobre o seu currículo”. Pedro Nuno Santos sabe.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Maria Begonha tirou um ano à sua própria data de nascimento, para disfarçar o facto de estar a concorrer a líder da JS a apenas algumas semanas de atingir o limite de idade para pertencer à organização? Nem pensar nisso, jura Pedro Nuno Santos, mesmo sabendo que essa maquilhagem etária constava da página de candidatura: “Não era preciso ser inteligente para perceber que se há organização em que o ano em que nascemos é central é esta”. Pedro Nuno Santos é inteligente e percebe.

De facto, é tudo uma questão de inteligência. Maria Begonha teve a inteligência de apoiar sempre as tropas de Pedro Nuno Santos, em momentos fáceis e difíceis. E agora, quando chegou um momento difícil para Maria Begonha, Pedro Nuno Santos teve a inteligência de a defender. Como o próprio anunciou no seu discurso, “não é preciso ser muito inteligente para perceber o que aconteceu”. Tem toda a razão: não é.

Outro portento de inteligência (segundo o próprio) é o deputado Nuno Sá. Com uma omnipresença de inspiração divina, o socialista conseguiu estar ao mesmo tempo em Famalicão e na Assembleia da República (que os últimos relatos dizem ser em Lisboa). O problema é que há fotografias e vídeos partilhados por Nuno Sá nas redes sociais que o colocam em Famalicão, mas não há imagens que o coloquem em Lisboa. Quando o Rui Pedro Antunes, autor da notícia do Observador, o confrontou com tudo isso, Nuno Sá recorreu ao elogio das suas células cinzentas, dizendo que, sendo uma pessoa “minimamente com inteligência política”, jamais colocaria uma fotografia onde se via que estava “num sítio público enquanto tinha presença no Parlamento ao mesmo tempo”.

Dias depois, Nuno Sá mostrou ser ainda mais inteligente e apagou a página de Facebook onde tinha os vídeos e as fotografias comprometedoras, como uma criança que, surpreendida pelos pais, se apressa a lamber os dedos para não deixar vestígios de uma incursão não autorizada ao frasco da compota.

Não há grande volta a dar: ou Pedro Nuno Santos e Nuno Sá são mesmo muito inteligentes ou nós somos todos muito burros.

Nota: um leitor atento e dedicado chamou a atenção para o facto de a última frase deste artigo ser equívoca por fazer uma generalização. Tem razão. No original, estava escrito “Ou os políticos portugueses são mesmo muito inteligentes ou nós somos todos muito burros”. Na realidade, como se percebe lendo o texto por inteiro, este artigo não se refere a todos os políticos portugueses mas apenas aos infelizes casos de Pedro Nuno Santos e de Nuno Sá. Por isso, alterei a frase para “Ou Pedro Nuno Santos e Nuno Sá são mesmo muito inteligentes ou nós somos todos muito burros”. Parece-me que assim tudo fica mais claro.