Os médicos de família estão impedidos [Despacho n.º 10430/2011] de transcrever exames solicitados por outros médicos, sejam eles de entidades públicas como hospitais ou entidades privadas. Este impedimento gera uma situação de conflito permanente entre o médico que transcreve, o médico que prescreve e o doente.

Como médico de família, muitas vezes assumo o papel daquele a quem são pedidas diariamente essas transcrições e não posso concordar mais com o despacho. Sou um médico especialista, com competências próprias e diferenciadas, e não gosto que o tempo em que exerço a minha atividade seja largamente consumido pela introdução de dados no sistema informático para emissão de credenciais que visam comparticipar exames de diagnóstico recomendados por outros médicos.

Fico contente quando os doentes confiam em mim e me contam o seu percurso nessas outras entidades e eu ouço porque faz parte da sua história e da sua experiência com a doença. No entanto, incomoda-me a falta de garantia de continuidade de cuidados entre quem prescreve o exame e quem o avalia.

Já não consigo concordar com a segunda parte do despacho, que impede a emissão de comparticipação a esses médicos, fazendo com que fique reservado para os médicos de família o papel de fiscalização. Eu não sou um perito nem quero ser, sou e quero ser médico de família. Se queremos garantir qualidade nos procedimentos, é necessário criar um sistema que possa ser auditado. Tenho certeza de que o processo atual, escrever os exames em papel e depois serem emitidos eletronicamente por outra pessoa, não é a forma mais correta de fazê-lo.

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Em relação ao médico que solicita o exame, seja no hospital ou em entidades privadas, qualquer médico tem acesso à prescrição de medicamentos com comparticipação, mas não tem acesso à comparticipação do exame que permite chegar ao diagnóstico, o que torna o processo irrealista. Pergunto se um médico pode prescrever tratamentos com segurança se, quando tem uma dúvida cuja resposta só pode ser dada por meio de um exame diagnóstico, fica impedido de ter acesso a esse resultado porque o doente não tem como pagar o exame.

Por fim, a perspetiva mais importante, a de quem precisa do exame. Do ponto de vista de uma discussão técnico-científica, pode ou não ser necessário o exame para o processo de diagnóstico, mas do ponto de vista do doente, foi criada a expectativa de realizar um determinado exame para tentar resolver o problema de saúde apresentado. E aqui existem duas opções. Uma em que o doente continua a investigação e paga do seu bolso e outra em que recorre ao médico de família, apresenta a situação e espera que este transgrida o despacho e emita a comparticipação.

O problema é que uma resposta negativa do médico e a não emissão do vale de desconto podem prejudicar a relação médico-doente, que se pretende ser um património imaterial da humanidade.

Identificado o problema, quais são as soluções? A meu ver, é necessário regulamentar a possibilidade de emissão de exames auxiliares de diagnóstico por qualquer médico no exercício da sua profissão, tal como é feito atualmente para a prescrição de medicação.