Que o governo do PS, liderado por António Costa, despreza a classe dos professores, já todos perceberam, até os pais e encarregados de educação, que têm manifestado o apoio à luta legítima dos professores, conforme as sondagens. Que o governo liderado por António Costa usa e abusa da mentira, da deturpação de dados, da própria ambiguidade da língua portuguesa para tentar iludir os cidadãos, também já todos perceberam. O que me continua a deixar perplexo é o facto de António Costa continuar a achar que os professores, grande parte deles com mais graus e maiores capacidades académicas e intelectuais que ele, aceitem que lhes digam que estamos com “erro de perceção” ou que “não percebemos”.

Os únicos que ainda não perceberam em que estado está o país são aqueles que nos governam, onde se inclui, naturalmente, António Costa. O único que, relativamente ao assunto dos professores, ainda não percebeu e continua com erros enormes de perceção ou talvez falta de decoro é António Costa. Grande parte daquilo que diz é desmentido, ou pelos vários polígrafos da comunicação social, ou por instituições altamente credibilizadas. Lembro-me, por exemplo da UTAO, que veio desmentir, corrigindo, as contas da recuperação do tempo de serviço, ou das obras do IP3, que continuam por concluir.

Mais recentemente, lembro-me, por exemplo, da vinculação dos 10.500 professores já no próximo ano letivo, anunciada por João Costa, através da Vinculação Dinâmica. Número esse que a Fenprof, rapidamente, veio desmentir, dando conta de que seriam apenas cerca de 8000 a reunirem condições. Para além disso, reunir condições não significa que se queira. Desses, sabe Deus quantos quererão essa prenda envenenada.

Uma sondagem feita por dois professores, Lígia Violas e Pedro Calçada, dá conta de que quase 90% dos inquiridos não concorda com as regras da vinculação dinâmica. Apesar de 75% reunirem as condições, são mais de 63% os que dizem nem sequer ponderar vincular através das novas regras. Para finalizar, 79% dos inquiridos considera que as alterações das regras do concurso fazem com que ponderem abandonar a profissão. Se não é revelador da dessincronia que há entre aquilo que o governo propõe e aquilo que são as necessidades, não sei o que será.

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Dessincronia essa também patente nas últimas propostas, reveladas a semana passada à comunicação social, sobre as demais reivindicações dos professores.

Entre 7 e 30 de março circulou, sobretudo através das redes sociais e blogues de educação, um inquérito intitulado Auscultação aos professores | Quais as tuas linhas vermelhas?, da autoria de Lígia Violas, Paulo Fazenda e eu próprio, com o objetivo de recolher a opinião do pessoal docente atualmente em funções nos diversos Agrupamentos de Escolas e Escolas não Agrupadas do País, quanto ao que devem ser as prioridades, nas negociações, relativamente à valorização da carreira docente e à revisão do Regime de Recrutamento de Gestão de Educadores de Infância e de Professores dos Ensinos Básico e Secundário.

A metodologia usada foi um formulário, estruturado em duas partes: uma primeira parte com seis questões de resposta direta, para caracterização da amostra; e uma segunda parte com uma única questão, onde foi pedido a cada docente que – de entre vinte e cinco reivindicações elencadas – selecionasse as dez que considerasse como prioritárias a negociar. Para o tratamento de dados e a elaboração de gráficos recorreu-se à análise por Excel. Das 10240 respostas recolhidas foram validadas 10178.
Da análise dos resultados podemos concluir qual o Top 10 das reivindicações dos professores.

Perante estes dados estatísticos o que faz o governo? Nada. A reivindicações aqui elencadas não andarão longe, extrapolando para o universo de todos os docentes, daquelas que serão as linhas vermelhas. Sem isto resolvido a paz não regressará à escola. A única coisa de que o governo é capaz é de apresentar umas propostas que excluem à partida a recuperação integral do tempo de serviço, e que, segundo o ministro, têm um custo de 161 milhões de euros. Números esses que são desmentidos, mais uma vez, por um estudo rigoroso da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Nesse estudo, o custo das medidas apresentadas é apenas de 5,83 milhões. Veja-se bem a diferença. Quem é que não percebe ou tem erros de perceção? Será má fé, incompetência ou desonestidade?

Mas como é que a ANDE chega a esses valores?

A primeira proposta visa a recuperação do tempo de serviço dos docentes que ficaram a aguardar vaga nos 4º e 6º escalões, a partir do ano em que aconteceu o descongelamento das carreiras. Aqui, a ANDE conclui que esta medida, em 2023, só se aplica a um universo de 989 docentes pelo que o impacto financeiro ronda os 10,5 milhões de euros.

A segunda proposta refere a eliminação de vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões, para todos os docentes que viram congelados exatamente 9 anos, 4 meses e 2 dias de serviço. (na folha apresentada à imprensa até colocam 18 dias, mas deve ter sido por incompetência, caso contrário o universo seria zero.) Contas feitas, esta medida atingirá um universo de 2413 docentes em 2023 e teria um impacto financeiro de quase 13 milhões de euros.

A terceira medida refere-se à redução de 1 ano na duração do escalão, de quatro anos, para aqueles que estiverem posicionados no 7º, 8º e 9º escalões. Significa isto que, em 2023, esta medida atingirá cerca de 2081 professores e terá um impacto de cerca de 23 milhões de euros. Somando os três valores temos um impacto de cerca de 46 milhões. Considerando as cerca de 3500 aposentações que se esperam em 2023, chegamos ao valor apresentado pela ANDE de 5,83 milhões de euros.

A pergunta que se impõe: como é possível que quem nos governa não seja capaz de efetuar umas simples contas, com seriedade?

Este cálculo “por cima” devem-no ter aprendido quando calculam as indemnizações dos gestores públicos.