Como Hanna Arendt frisou, “storytelling reveals meaning without committing the error of defining it, it brings about consent and reconciliation as they really are”.

É impossível ficar indiferente às histórias de todos quanto tentam chegar à Europa na procura de uma vida. Histórias reais, com o potencial de apelar ao que, afinal, temos em comum: a nossa humanidade, capacidade de sentir com o outro (compaixão no sentido germânico da palavra), impulso para a solidariedade e para reagir ao que é injusto.

Mas o que fazer com estes sentimentos? Perante uma questão tão sensível, é fundamental transformar este sentido revelado por tantas histórias em responsabilidade perante nós e perante os outros. Acredito que é este o momento certo. Ainda ontem Merkel criticou o obsoleto, ainda que bem-intencionado, sistema europeu de asilo, apelando à mudança através da criação de um sistema mais solidário.

Se a necessidade de modificar o este sistema é cada vez mais inquestionável, eu iria ainda mais longe. Agora sim, é preciso aceitar o desafio de redefinir. É necessária uma alteração profunda, lançando as bases para uma reinterpretação da Convenção de 1951.

Não é a primeira vez que este problema se coloca. Mesmo antes da criação da Convenção, já a Europa era desafiada a reinventar-se. Falo especialmente dos anos 30 e 40 em que refugiados por toda a Europa fugiam do terror e opressão nomeadamente das perseguições alemãs. Nessa altura, e citando de novo Arendt, ”from the beginning, everyone had agreed that there were only two ways to solve the problem: repatriation or naturalisation(…)it was almost pathetic to see how helpless the European governments were”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os problemas não são de hoje. Nem mesmo os medos que agora enfrentamos — o facto de judeus, fugindo da Alemanha em 1930 serem considerados migrantes económicos serve-nos de advertência de que nem todas as ansiedades são justificadas.

O que poderá representar uma novidade é a reacção Europeia de repensar seriamente o seu sistema e a interpretação da Convenção com audácia, sensatez e sentido de justiça.

Os refugiados dos nossos dias são substancialmente diferentes, nas suas origens e motivos. São também essencialmente distintos do paradigma de refugiado ao qual a Convenção de 1951 pretendia dar resposta. É inútil, e algo cínico, a Europa assumir a postura de que pretende resolver o problema dos refugiados, quando na prática, rejeita 55% dos pedidos, classificando-os de migrantes económicos.

Refugiados e migrantes económicos são, realmente, realidades distintas. O mal é não estarmos a traçar a diferença com a precisão necessária. Seria mais sensato, e certamente menos fugaz, redefinir o conceito, baseando-se nos direitos humanos para interpretar o termo perseguição, quebrando a dicotomia direitos civis/políticos versus direitos sociais/económicos.

As crises representam oportunidades para repensar, criar de novo. É isso que todos quantos nos pedem ajuda merecem, mas acima de tudo é isso que nós, Europa, precisamos.

Investigadora da Católica Global School of Law