Este ano não tinha planeado escrever sobre os aumentos do salário mínimo. Por uma razão muito simples: os argumentos não serão muito diferentes daqueles que já usei em artigos anteriores. Mas, sendo este um assunto na ordem do dia, é difícil escapar-lhe.

Ao contrário de alguns outros liberais, sou a favor da existência do salário mínimo. O primeiro motivo é quase tão óbvio que nem precisa de ser enunciado. Há trabalhadores com tão pouco poder negocial, dispostos a aceitar qualquer trabalho que lhe ofereçam, que o salário mínimo é a última garantia de que recebem um pagamento decente. Mas, mais do que isso, considero-o uma política importante de redistribuição de rendimentos e de redução das desigualdades. Há ainda outros argumentos que me parecem mais discutíveis, como o de que os aumentos de salário mínimo incentivam as empresas a ser mais eficientes.

Infelizmente, como em quase tudo, o salário mínimo também tem efeitos negativos. Um salário mínimo “excessivo” tem efeitos nefastos no emprego. Em especial, sendo um instrumento desenhado para proteger os trabalhadores de baixos salários pode ter como efeito a desprotecção destes mesmos trabalhadores. Ou seja, jovens e trabalhadores pouco qualificados podem não ter produtividades suficientemente elevadas que justifiquem a sua contratação pelo salário mínimo. Adicionalmente, poder-se-ia argumentar que empresas que compitam no mercado internacional, e que por isso são incapazes de reflectir nos preços finais o aumento dos custos salariais, poderão ser mais afectadas por subidas de salário mínimo, tornando-se menos competitivas. Em suma, o principal risco de um salário mínimo alto é o desemprego.

Não estarei a cometer nenhum erro de monta se afirmar que as vantagens e desvantagens referidas nos parágrafos anteriores são razoavelmente consensuais entre economistas. A grande divergência está na definição do que é um salário mínimo “excessivo”. Saber a partir de que ponto é que os efeitos perversos dos aumentos do salário mínimo se tornam demasiado graves.

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A leitura que faço da literatura económica é relativamente simples de entender. Os efeitos perversos tornam-se demasiado perigosos quando o salário mínimo interfere de forma não trivial com o mercado de trabalho. Como medir isso? Tipicamente mede-se estimando quantos trabalhadores são afectados pelo salário mínimo.

De acordo com o último relatório da Comissão de Acompanhamento do Acordo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida, publicado há dias, em Outubro do ano passado, ou seja, ainda antes do aumento do salário mínimo de 2016, a percentagem de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo era de 21%. Este valor é absurdamente alto. Não conheço valores actuais para o resto da União Europeia, mas há uns anos a média europeia estava bem abaixo dos 10%. Não sei por que motivo o relatório não actualiza este indicador, mas será de esperar que neste momento seja mais alto e que com o aumento previsto do salário mínimo para 2017 atinja valores acima dos 25%, possivelmente 30%.

Um outro indicador muito usado para avaliar se o salário mínimo está a interferir demasiado com o mercado de trabalho é o índice de Kaitz, que mais não é do que o rácio entre o salário mínimo e o mediano. Mais uma vez, dados para 2015 mostram que para Portugal este valor é anormalmente elevado. É o terceiro mais alto entre países da União Europeia, logo atrás de França e da Eslovénia. Naturalmente, ainda não há dados para 2016, mas é provável que com o último aumento do salário mínimo estejamos a par da Eslovénia. Com o aumento de 2017, com certeza que os passaremos, ficando perto de França, que, diga-se, é um dos países da União Europeia com desemprego mais alto (apenas ligeiramente inferior ao português).

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No gráfico em baixo, usando dados da OCDE, mostro como tem evoluído a taxa de desemprego e o índice de Kaitz em Portugal desde que entrámos na União. A correlação é óbvia. Alguns testes estatísticos rápidos que fiz para este artigo mostram que aumentos do índice de Kaitz precedem em alguns anos (2 a 4) subidas da taxa de desemprego. Não pretendo que este gráfico seja a palavra definitiva sobre o assunto (até porque, por exemplo, também o fiz para França e não encontrei nenhuma correlação), mas espero que seja um alerta importante. Mais subidas substanciais do salário mínimo têm riscos elevados que não devem ser desprezados.

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Volto a insistir numa ideia que considero chave. Quando os efeitos perversos se fazem sentir, quem mais os sofre são os trabalhadores que se pretendem proteger com o salário mínimo. Não é por acaso que o desemprego em Portugal atinge maioritariamente os jovens e a população com poucas qualificações.

Tudo isto me leva a dizer que o nosso problema não é o salário mínimo ser baixo. O nosso problema é o salário médio ser baixo. E podemos procurar muitas explicações para este facto, mas a mais óbvia é que apesar de todo o investimento que foi feito em educação nas últimas décadas, o trabalhador português, especialmente quando tem mais de 40 anos, é, em regra, pouco qualificado.

Vale a pena sublinhar este problema. Se olharmos para a população activa com menos de 35 anos, veremos que temos qualificações similares às dos países desenvolvidos. Mas quando olhamos para as qualificações médias, percebemos que a herança salazarista é ainda muito pesada. Os países mais parecidos com o nosso são países como a China, o Equador, o Paraguai, o Brasil ou a Turquia e o Gabão.

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A figura que mostro em cima, construída por Alexandre Afonso, professor de políticas públicas na Universidade de Leiden, Holanda, é perfeitamente elucidativo a esse respeito. Este gráfico, que relaciona o nível médio de escolaridade com o PIB per capita, diz-nos que para o nosso nível de escolaridade média, o PIB per capita até é bastante elevado. Com a exceção da Arábia Saudita, temos um rendimento médio bastante superior ao de países com qualificações comparáveis, como a Costa Rica ou o México. Como os dados sobre educação são de 2010, com toda a certeza que se está a subestimar ligeiramente o nosso nível de qualificações. Mas a realidade continua a ser crua. Temos um problema de falta de qualificação do factor trabalho. E o valor do salário mínimo não pode ser desligado dessa realidade.

Quer isso dizer que nos devemos dar por satisfeitos com os níveis de desigualdade que temos? Obviamente que não. Mas a verdade é que os governos portugueses parecem esquecidos de que existem outras formas de reduzir a pobreza e a desigualdade. Em imensos países, existem créditos fiscais para os trabalhadores mais mal pagos, aumentando assim o seu salário líquido (sem no entanto aumentar os custos para as empresas). Vários estudos mostram que esta política até tem efeitos positivos no emprego, contrabalançando os potenciais efeitos negativos do salário mínimo.

Em Portugal, esta proposta, ainda que de forma insípida, estava presente no programa eleitoral do Partido Socialista. Infelizmente, ficou para trás com os acordos de governo à esquerda. Claro que uma política destas não é panaceia para todos os males e também tem riscos, nomeadamente o risco de se subsidiar e perpetuar indústrias de baixos salários. Mas todas as políticas têm riscos e a melhor maneira de os minimizar é diversificá-los. Ou seja, não pôr todos os ovos no mesmo cesto. O risco de este virar e os ovos se partirem é demasiado.