É fundamental traçar algumas linhas vermelhas que acautelem os efeitos contraproducentes de uma eventual descontinuação da geopolítica e da geoeconomia europeias durante esta década, sob pena de o projeto europeu estar na iminência de mais uma crise existencial grave. Vejamos algumas dessas linhas vermelhas:

  1. A balcanização das trocas comerciais com o regresso de várias medidas neoprotecionistas que chegam pela via da sustentabilidade verde, a reindustrialização europeia e a rutura de algumas cadeias de abastecimento;
  2. Um período mais longo de estagflação e a descontinuação das políticas monetárias e orçamentais de baixo custoprosseguidas até agora, com um impacto imediato sobre o valor externo do euro e as respetivas trocas comerciais;
  3. A descarbonização da economia e a sua descontinuação energética e, em consequência, as várias velocidades nacionais da política de mitigação e adaptação com impactos diferenciados sobre o custo de vida, os custos industriais e a competitividade empresarial, alterando, por essa via, o padrão convencional das trocas comerciais;
  4. O envelhecimento demográfico das sociedades europeias e a forma como o acolhimento e a integração dos fluxos migratórios são realizados no terreno de cada estado-membro, desencadeiam diferentes reações internas e interferem sobre a evolução e condução da política doméstica no plano europeu;
  5. A cobertura digital do território, a literacia digital da população e a transformação digital no universo empresarial, serviços públicos e redes sociais interferem no modo como os cidadãos entendem e praticam a sua cidadania, em especial a sua participação na vida pública e política, mas, também, o modo como lidamos com a descontinuação cibernética e encaramos a nossa atitude face à guerra informática e protegemos a nossa privacidade pessoal;
  6. As alterações climáticas e as novas métricas de sustentabilidade põem em causa a política do ambiente, mas, também, a sustentabilidade da produção de alimentos e, ainda, interferem com as condições sanitárias que são essenciais para a saúde pública e mental dos cidadãos;
  7. A União Europeia está preocupada com o seu pilar social, uma vez que os mercados de trabalho só por si não resolvem as desigualdades sociais, a pobreza e a sustentabilidade do Estado social; esta descontinuação entre as condições de vida e o funcionamento dos mercados de trabalho é muito crítica para o futuro próximo da política europeia;
  8. A guerra fria no leste europeu e as divisões em matéria de nova arquitetura de segurança e defesa, em particular, a duração da guerra e as consequências sobre toda a fronteira do leste europeu são difíceis de prever nesta altura e todos os cenários são possíveis, assim como, o crescimento dos estados-membros relutantes, não apenas em resultado dos efeitos cruzados das sanções aplicáveis, mas, igualmente, das propostas de defesa e segurança europeia; este facto colocará uma pressão enorme sobre as instituições europeias e novas linhas divisórias da política europeia surgirão;
  9. A relação bilateral e multilateral com a China e a eventual descontinuação sino-europeia é um risco muito elevado para as relações bilaterais e multilaterais, basta pensar nas cadeias logísticas industriais que abastecem os países europeus com origem na China e no sudeste asiático; ora, esta descontinuação sino-europeia é indissociável do que acontecer nos próximos meses na fronteira leste europeia e, muito em especial, nos efeitos cruzados de um bloqueio total às importações energéticas da Rússia;
  10. A emergência dos novos populismos, radicalismos e nacionalismos políticos; tudo o que dissemos anteriormente tem um impacto certo e seguro na vida política doméstica dos estados-membros da União Europeia e uma das principais consequências é a erosão dos partidos tradicionais e moderados e o surgimento de movimentos abrangentes dirigidos por homens providenciais que aproveitam para criar mais um estado-regime relutante e assim fazer pressão sobre a política europeia.

Nota Final

Aproxima-se a celebração de mais um Dia da Europa (9 de maio), um dia de paz em tempo de guerra. A esperança da política é que, nos próximos quatro anos, a governação europeia, e em especial a dupla Macron e Scholtz, saibam acautelar estas linhas vermelhas e divisórias que aqui enunciei, em nome de uma política da esperança. A balcanização da geopolítica europeia espreita a todo o tempo, os estados relutantes esperam pela sua vez.

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