Todos tivemos na escola ou em casa os santinhos. Um santinho é, por definição, alguém que, sendo tudo menos isso mesmo, santo, nada faz de e pela verdade mas só pelas aparências, foge de responsabilidades e, ao primeiro susto, não assume o risco e suas consequências e normalmente fica bem na fita apoiado noutros mais ou menos iguais a ele. Sendo detestáveis, são desdenhados por quem estuda, arrisca, tem ideias, pensa diferente. E no fim, nas memórias da escola, fica alguém ter feito parte dos santinhos ou ter sido quem defendia os outros e fazia, mesmo que com sacrifício próprio, coisa que os outros desconhecem. Só que, como na escola, os santinhos crescem e são em grande número, muito maior que os outros. A postura, que é de carácter, mantém-se mas as consequências já não são só as da sala de aula ou do ringue da escola mas do país. Porque são eles a grande massa aparentemente inerte que não faz, bloqueia quem quer fazer, destrói quem quer transformar e impede a mudança. Em nome de quê? Deles próprios e do seu mundo que normalmente não vai além do seu interesse próprio. São transversais à sociedade, subindo uns mais do que outros, fruto de alianças que estabelecem e estão (eles, não os outros que os ignoram ) em guerra permanente com quem faz diferente.

É evidente que entretanto os outros também cresceram. E aprenderam ainda mais, porque o mais ou menos não os satisfaz. O seu pensamento e acção, agora virados para coisas mais sérias, estão a milhas dos santinhos. Reconhecem-nos quase à primeira vista porque as técnicas ou as tácticas, se quiserem, não mudaram muito. Com menos borbulhas e muita maquilhagem em cima são os mesmos: os meninos das queixinhas que se foram safando na vida, indiferentes a quem os rodeia.

Não mal comparado é isto que leva também à falta de uma cultura de elite em Portugal. São muitas décadas (séculos?) de veneração de santos com pés de barro. A mediocridade versus a meritocracia. Condes de Abranhos glorificados e Mouzinhos de Albuquerque esquecidos. Não que não haja, como dizia a grande Sophia de Mello Breyner (obviamente não santinha) a propósito de Francisco Sousa Tavares quem “não use a virtude para comprar o que não tem perdão ou quem não vá à sombra dos abrigos e ande de mãos dadas com o perigo”. Existem e resistem, que é de resistência também que aqui se fala. E têm capacidade até de tirar estes santinhos do altar. Não para subir a nenhum pedestal, mas porque, lá em cima, só pode estar o interesse nacional.

Têm é de, uma vez por todas, começar a pôr os tais santinhos no lugar.

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