Primeira evidência: a vitória de Mário Centeno foi indiscutível e resultou da convergência de várias vontades, desde logo a dos maiores países da zona euro, Espanha, Itália, Alemanha e França (a ordem é menos aleatória do que parece).

A escolha de um candidato socialista, para equilibrar (mais ou menos) a balança da distribuição dos cargos na União Europeia (com o PPE), de um país do sul, recentemente saído de um resgate e em manifesta recuperação económica e de um economista com indiscutível pedigree (doutorado em Harvard), conjugou-se com a ausência de concorrentes de peso como seriam o espanhol, o francês e o italiano, convencendo os pares de Centeno e, sobretudo, os chefes desses pares.

Segunda evidência: não é bom para Portugal, é óptimo para Portugal, que o presidente do Eeurogrupo seja português, independentemente do partido ou da ideologia. Como foi óptimo quando o presidente da Comissão o foi ou como é óptimo sê-lo o secretário-geral da ONU.

São inquestionáveis as qualidades de um povo tão abundante na gestação de competências e capacidades acima da média, porque só pessoas acima da média, com a devida vénia aos invejosos de todos os quadrantes, podem aspirar a ser presidentes de organizações internacionais, mas também cientistas, como os que localiza e relaciona o excelente “global portugueses scientists” da Fundação Francisco Manuel dos Santos, a trabalhar em prestigiados centros de investigação, universidades e hospitais do mundo inteiro.

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Terceira evidência: vai ser complicado. Se ao escolherem um português, os (seus) pares no eurogrupo reconheceram também a recuperação da economia nacional após um doloroso resgate, certo é que a sua tarefa será tudo menos fácil. Em pratos limpos: vai ser muito difícil.

O presidente Mário Centeno terá de usar, não um, não dois, mas três chapéus diferentes, ainda por cima em meio a uma ventania que se espera não resulte em furacão.

O primeiro chapéu de Centeno: o de ministro das Finanças de Portugal. Sobre ele não me atardarei, já que não se falou de outra coisa nas últimas semanas; dizer apenas, e não é pouco, que Centeno terá de continuar a defender o interesse do país, acautelando uma trajectória que concilie consolidação das contas públicas com crescimento económico, consonante com as políticas da União Económica e Monetária europeia (UEM).

Só assim o ministro das Finanças de Portugal poderá evitar cair sob a alçada rigorosa do presidente do Eurogrupo.

O segundo chapéu de Centeno: presidir ao Eurogrupo, órgão informal da UEM, que prepara as reuniões do conselho de ministros da economia e finanças, onde as suas decisões são votadas e validadas e tenta garantir a estabilidade e coerência da zona euro, entre outras funções. O seu presidente, primus inter pares, dirige as reuniões, elabora o programa de trabalho e apresenta publicamente as suas decisões e resultados.

No âmbito da UEM, o novel presidente coordenará as negociações para o difícil quadro financeiro de 2020 a 2027. Com a ausência do Reino Unido, os recursos próprios encolherão e a repartição pelas políticas públicas europeias será mais difícil. Representante do interesse comum da zona euro, o presidente do Eurogrupo trabalhará com os ministros das Finanças dos 19, incluindo consigo próprio, tentando conciliar esse interesse com os interesses nacionais.

O terceiro chapéu de Centeno, pode bem vir a ser o mais difícil de usar: respeita à reforma da UEM, isto é, da zona euro, aliás já em curso. A carta de motivações do português, peça central da candidatura ao cargo para que agora foi eleito, indica em parte o caminho a seguir:

Promover uma zona euro convergente, mais integrada, capaz de resistir aos choques assimétricos, criando um crescimento simétrico. Tornar as instituições, a começar pelo Eurogrupo, mais transparentes, e ligar a teoria aos resultados concretos. Pôr o foco no crescimento e na convergência económica, rever os critérios de cálculo do défice estrutural, tornando-o mais compatível com as distintas naturezas das diferentes economias europeias.

Às ideias de Centeno e do governo português acrescem muitas propostas de reforma que serão discutidas no Conselho Europeu de 14 e 15 de Dezembro: incluir uma linha orçamental para a zona euro no orçamento da UE, estabelecer um fundo monetário europeu, aumentar a transparência dos trabalhos do Eurogrupo, nomear o seu presidente a tempo inteiro ou até, mais ambicioso ainda, criar o cargo de ministro europeu das Finanças (para substituir… o presidente do Eurogrupo). Ou seja, Centeno vai decidir, não sozinho, bem entendido, sobre a extinção do seu próprio cargo, pelo menos tal como ele hoje está formatado.

A pergunta de um milhão de euros é: que chapéu usará Mário Centeno mais vezes?

PS. E o Brexit? Pois continua mal, muito obrigado. Theresa May e Juncker não conseguiram ontem dar por encerrada a primeira fase de negociações, indispensável para iniciar a fase seguinte sobre a relação futura entre Reino Unido e UE. A primeira-ministra May aceitava ceder relativamente à questão da fronteira com a Irlanda, única ainda em aberto das três centrais nesta primeira fase — responsabilidades financeiras britânicas, direitos dos cidadãos, fronteira irlandesa –, mas o DUP, partido unionista norte-irlandês que garante ao partido conservador a maioria na câmara dos comuns, opôs-se. Há novas negociações no final da semana. O Brexit pode esperar, mas não muito; não muito.