A escolástica cristã enunciou, há séculos, três princípios que devem reger o espírito de solidariedade e ordenar os atos de entreajuda entre as pessoas. Embora razoáveis e quase autoevidentes, parecem andar esquecidos na nossa república, pelo que poderá ser oportuno recordá-los aqui. Segundo os princípios da reta sꙩlidariedade cada pessoa deverá:

  1. Cumprir, antes de mais, os próprios deveres e obrigações; depois, mas só depois, deverá
  2. Ajudar os outros naquilo que eles não conseguem fazer; e, por fim, mas sempre,
  3. Não os ajudar naquilo que eles são capazes de fazer.

Por outras palavras: cumprir os próprios deveres é a maior ajuda que podemos dar aos outros, mas fazer por eles aquilo que podem fazer por si não é ajudá-los, é prejudicá-los, porque é rꙩubar-lhes um bem precioso: a sua autonomia.

Vejamos um exemplo. Um pai deve antes de mais cumprir as suas obrigações para com os seus filhos. Se descurar o dever de alimentar e educar os próprios filhos, preocupar-se com a alimentação e educação dos filhos do vizinho não é verdadeira solidariedade. É apenas abelhudice. Dar o biberão a um bebé de três meses é uma obrigação e verdadeira caridade; pelo contrário, levar a comida à boca do filho de seis anos, que já é capaz de comer sozinho, já não o é, mesmo que ele queira. Pior: não só não é uma ajuda, mas por ser um ato menorização de um ser humano, é degradante. Mesmꙩ que ele queira.

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Será que a nossa república é verdadeiramente solidária? Analisemos a sua atuação à luz dos três princípios. A nível interno, as únicas funções inalienáveis do Estado são manter a ordem e segurança pública e fazer justiça. Tudo o resto os cidadãos podem prover por si próprios, mas serem compelidos a fazer justiça pelas próprias mãos e organizar milícias para assegurar a ordem é sinal certo que o Estado não cumpre as suas obrigações. Será que em Portugal o Estado cumpre estes deveres? Pelo que se vê e pelo que se ouve, não parece que os cumpra lá muito bem: não só a justiça parece ser lenta, quando não deficiente, não punindo criminosos nem fazendo que estes indemnizem as suas vítimas, como também o Estadꙩ não parece ser capaz de manter a ordem pública e a segurança dos cidadãos.

Será que o nosso Estado ajuda os cidadãos aonde e naquilo que eles não conseguem fazer? Construindo, por exemplo, escolas e hospitais naquelas regiões e comunidades que, pela sua pobreza, não têm recursos para os contruir por iniciativa própria? Se não os constrói aí, porque os há de ir construir onde a iniciativa privada e o associativismo dos cidadãos o conseguem fazer, no Porto e em Lisbꙩa? Ao fazê-lo está a atrofiar a iniciativa privada e estiolar a autonomia da sociedade civil. O que não é ajuda nenhuma, nem é solidariedade, antes não passa de abelhudice.

Um Estado que faz mal o que deve fazer e deve fazer bem, e que faz ineficiente e deficientemente aquilo que não precisa de fazer, não é um Estado solidário, é um Estado degradante. E degradado. Chamar a isso Estado sꙩcial é um insulto a todos os que lutam pela defesa da dignidade humana e pela promoção da solidariedade entre os homens.

(O autor não segue a graphia do novo Acordo Ortográfico. Nem a do antigo. Escreve como quer e lhe apetece.)