A preparação da estratégia portuguesa no quadro da PAC irá decorrer até ao final deste ano. Seguem-se algumas reflexões a esse propósito, a primeira parte deste artigo foi publicada no Observador no passado dia 31 de julho.

Se considerarmos que a tipologia seguinte representa bem a estrutura atual da agricultura portuguesa:

  • A agricultura de agronegócio, capitalizada e extrovertida (I);
  • A grande agricultura de base fundiária, rentista e rentista (II);
  • A pequena e média agricultura de base familiar e bem inserida nos mercados (III);
  • A pequena e muito pequena agricultura familiar, de subsistência, dos circuitos curtos e mercados de proximidade (IV).

Se considerarmos que se afirmará uma tendência pesada ao longo da década que se pode definir do seguinte modo:

  • A afirmação crescente do capital financeiro por via dos fundos de investimento e do capital de risco, intimamente associados às agriculturas do tipo I e II;
  • A crescente transformação tecnológica e digital dos quatro tipos de agricultura, mas com ritmos e dinâmicas muito variáveis e diferenciadas entre as agriculturas;
  • Uma crescente condicionalidade e formalidade (os custos de contexto das medidas de política) que torna o acesso e o benefício das ajudas e pagamentos da PAC muito complexos, com óbvias vantagens para as agriculturas do tipo I e II;
  • Uma notória desvitalização dos serviços públicos regionais de agricultura, ambiente e florestas, em manifesto prejuízo das economias de rede locais e territoriais, das funções de planeamento e programação e, em especial, das redes de extensão rural;
  • Uma notória debilidade orgânica das micro e pequenas agriculturas, com reflexos no grau de inclusão/exclusão dos agricultores beneficiários e, bem assim, na organização dos processos e procedimentos relativos aos pagamentos diretos aos agricultores.

Se considerarmos que esta década será a década da grande transição climático-ecológica, então, o Estado-administração, por razões que se prendem com o combate às alterações climáticas e os grandes riscos, irá alargar o âmbito e a natureza das suas intervenções e a latitude do domínio público, do seguinte modo:

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  • Pela criação de uma série de ecorregimes e medidas de condicionalidade verde muito diversas que visam prevenir, mitigar, remediar, adaptar, conservar e restaurar;
  • Pela criação de várias figuras normativas de planeamento e gestão;
  • Pela criação de várias figuras de curadoria territorial como os condomínios de aldeias, as comunidades locais de energia, as zonas de intervenção florestal, as áreas integradas de gestão paisagística, entre outras.

Este crescimento do domínio público, comunitário e social, motivado por razões climáticas, ecológicas, energéticas, de ordenamento paisagístico, mas, também, de revitalização sociodemográfica, irá matizar a ocupação do espaço e diversificar o leque de instrumentos ao dispor da política de coesão territorial.

Se aceitarmos que estas grandes tendências têm uma probabilidade elevada de ocorrerem, então, a pergunta que se impõe no horizonte 2030 é a seguinte: que agriculturas queremos ter em 2030 que respeitem o novo alinhamento entre microclimas, ecorregimes, uma nova matriz energética, uma infraestrutura digital e ecossistemas inteligentes, novos sistemas de produção agroecológica e uma nova ocupação sociodemográfica?

Neste alinhamento o cenário mais provável em 2030, o mais privilegiado e beneficiado, será aquele que utilize com critério exigente os materiais raros da agricultura, ou seja, o solo, o clima, a água, a biodiversidade. Assim, nesta aceção, teremos dois modelos de agricultura maioritários: o modelo AAA (agricultura, ambiente, alimentação) e o modelo ICT (inteligência coletiva territorial).

No primeiro modelo, inspirado numa conceção mais capitalista e bioindustrial, os traços principais serão a automatização (agricultura de precisão), a vigilância (prevenção de riscos), a certificação (esquema ESG) e a globalização (exportação) das suas cadeias de valor. No segundo modelo, inspirado numa conceção de base mais territorial e assente no princípio ativo das redes e plataformas colaborativas, teremos uma pluralidade muito diversa de agriculturas, cujos exemplos mais interessantes serão os seguintes: os SAL (sistemas agroalimentares locais), os SAF (sistemas agroflorestais), as pequenas agriculturas de nicho e denominação de origem, uma tipologia muito variada de agricultura urbana e comunitária (a agricultura urbana vertical), os condomínios de aldeia e as áreas integradas de gestão paisagística e, de uma maneira geral, os ecossistemas de base territorial que em plena transição climático-ecológica serão de uma grande utilidade em tudo o que diga respeito a operações de mitigação e adaptação agroecológicas.

Nota Final

Uma nota final para salientar tudo aquilo que, em caso algum, poderemos dispensar nesta longa transição de uma década. Em primeiro lugar, o rejuvenescimento da classe empresarial da agricultura (a sua literacia digital); em segundo lugar, a utilidade social do respeito e a responsabilidade ESG (ambiente, sociedade, governação corporativa); em terceiro lugar, a formação de comunidades de risco e combate contra as alterações climáticas (as boas práticas de mitigação e adaptação); em quarto lugar, as redes de extensão rural e a cooperação entre os modelos e agentes AAA e ICT; em quinto lugar, a revitalização dos departamentos de formação e extensão rural das direções regionais de agricultura; em sexto lugar, a colaboração dos centros de investigação e startups no desenvolvimento das práticas de mitigação e adaptação; por último, a inovação financeira em matéria de novas fórmulas de capitalização (capital de risco mais crowdfunding), seja de unidades empresariais ou de ecossistemas de base territorial.

Uma nota final para salientar a relevância das economias de rede e aglomeração no planeamento e desenvolvimento das atividades agrícolas e suas cadeias de valor. Nessa linha de orientação é fundamental que nos níveis regional (NUTS II) e sub-regional (CIM) haja uma coordenação efetiva de todas as medidas de política regional que podem convergir direta ou indiretamente para a coesão económica, social e territorial de uma região, sub-região ou comunidade intermunicipal.