Na sequência deste meu texto (e de outros), Henrique Monteiro escreveu no Expresso afirmando o seguinte: «Ontem mesmo, no ‘Observador’, o PSD e o seu líder eram criticados por não serem alternativa. “A alternância até se poderá verificar, não questiono isso. Mas ao PSD falta sobretudo ser alternativa”, escreve o cronista Nuno Gonçalo Poças (aliás autor de um bom livro sobre as FP-25). Eu dir-lhe-ia: ainda bem que o PSD não quer ser alternativa, destruir tudo o que os outros fizeram. É na alternância, e não nas sucessivas roturas das alternativas, que se cumpre a democracia.»

Agradecendo-lhe o elogio, não posso deixar de insistir neste tema. Henrique Monteiro diz (e bem) que «a democracia é alternância de modelos dentro do mesmo chão comum.» Esse chão comum, acrescento eu, é a própria democracia: o Estado de Direito, os direitos fundamentais, as liberdades e garantias, o Estado Social. Sucede que não compreendo o sobressalto que provoca a exigência de uma alternativa.

Meu caro Henrique Monteiro, a mera alternância não significa absolutamente nada, e a mim diz-me muito pouco. De que nos serve, afinal, que dois partidos se substituam de tempos a tempos no exercício do poder se as políticas se mantêm, se um surge como sucedâneo do outro, se o que os faz divergir é, afinal, uma mera apreciação relativa à gestão da coisa pública e não à construção de um futuro diferente? De que serve a alternância se a única coisa que ela promete é o marasmo ou a degradação económica, social e institucional?

Percebo que um país que conta com perto de metade da população reformada, empregada no Estado ou desempregada, não tenha grandes ambições, que prefira que tudo se mantenha como está, mesmo que tudo se mostre insustentável a longo prazo. Se serão as gerações futuras a sofrer os erros do presente, para que há-de um país amorfo incomodar-se com isso? De que nos vale ter ideias para garantir que continuará a haver reformas, que podemos ter bons salários proporcionados por uma economia aberta, livre, concorrencial e dinâmica se podemos estar tão bem assim, garantindo que a vidinha se vai fazendo e assegurando a alternância entre dois partidos inertes?

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Se há coisa que sempre recusei é a TINA – There Is No Alternative. O PS, em 2015, ofereceu-se ao eleitorado precisamente contrariando essa ideia: António Costa sempre disse que havia alternativa à austeridade, que o país havia de descobrir um pote de mel graças ao consumo interno, ao aumento por decreto dos salários e à redução das horas de trabalho. Discordarei (e a realidade demonstra que o PS não aplicou uma receita muito diferente, porque a austeridade, sob outros nomes, manteve-se) das posições assumidas, mas não é possível recusar a ideia de que não há alternativa a nada. O PCP e o BE, por exemplo, tinham alternativas: sair da moeda única, acabar com os ricos, aumentar os salários por decreto para todos, etc. A alternativa existe, existirá sempre, e, como tudo, tem um custo. É só preciso saber se as pessoas estão disponíveis para aceitar pagar esse custo ou não. Mas há e deve haver alternativas.

O grande mérito de Rui Rio é precisamente o de poder garantir a alternância sem apresentar alternativa nenhuma. É isso que lhe pode garantir a eleição. Mas a questão é: e isso serve para quê, concretamente? Em que medida ter Rio no lugar de Costa nos satisfaz? Para assegurar a democracia? Mas a democracia consolida-se e aprofunda-se com a construção, dos vários campos políticos que a compõem, de políticas alternativas ou apenas com a mera rotatividade de partidos nos bancos do poder? A democracia faz-se garantindo opções políticas diferentes ou assegurando que há dois partidos que se vão substituindo para fazer cobrar impostos e pedir dinheiro emprestado?

A estratégia de Rui Rio pode servir para o PSD ganhar eleições, sim, mas isso serve-nos de quê, afinal? A Rio e ao PSD serve de muito, acredito. Mas e a nós? Em que é que a nossa vida vai mudar para melhor? Portugal tem um problema demográfico que nos vai atingir como um meteorito: como é que o PSD pensa atenuá-lo? O que pensa fazer na área da saúde? Vão reverter as PPP onde elas funcionavam bem? Como é que vão garantir que os melhores querem ser professores, como sugeriu Rui Rio? Vão baixar impostos? Quais? Quando? Porquê? O que esperam obter com a redução deste ou daquele imposto? E se isso não se verificar, o que vão fazer a seguir? Vão reverter o fim do golden visa? Que mecanismos de transparência querem implementar, se o fizerem? Como é que pretendem fazer crescer os salários? Como é que o país vai crescer? Que política têm para os transportes públicos? O que pensam fazer sobre a rede pré-escolar universal? Com que modelo? Como vão tornar a justiça mais célere? Todos sabemos que os processos demoram, mas como é que se resolve isso? O que vão fazer com a TAP? Alguém sabe alguma coisa que o PSD vá fazer se e quando ganhar eleições? O caso da transportadora aérea até é significativo: Rui Rio já disse que todas as soluções são más. Assumindo que o são, o que pensa fazer? Vai vender a empresa? Fechá-la? Vai pedir mais dinheiro aos portugueses para garantir que ela funciona? É que para assumir que não há ali solução boa não precisamos de mudar de Governo, este basta. A menos que estejamos num tal estado de anemia cultural, intelectual, política e cívica que nos contentamos com a substituição de uns incapazes por outros de cor diferente.

Sim, Henrique Monteiro, a democracia faz-se da busca de consensos e de diálogo. Já escrevi sobre isso, julgo que não tenho de explicar que não sou defensor de regimes de partido único e que entendo que a polarização, sendo necessária, se deve fazer ao centro. Mas também não defendo regimes de duplo partido único. Não fosse a alternativa necessária à democracia e ainda hoje as nacionalizações eram irreversíveis, ainda haveria Conselho da Revolução, ou, se preferir, não haveria subsídio de desemprego ou rendimento social de inserção. Se há coisa fundamental à democracia é a construção de políticas alternativas. Se elas ganham ou perdem, é outro assunto, mas é essencial que o eleitor seja confrontado com soluções diferentes.

Num país envelhecido, cada vez mais dependente do Estado, é natural que as pessoas não procurem alternativas e se contentem apenas com a mudança de moscas. Compreendo isso, resigno-me até com essa possibilidade. Não sonho com amanhãs que cantam, não pretendo atingir o paraíso na Terra (e provavelmente nem quando morrer o alcançarei). Mas não me peçam para assistir sem pestanejar a um cenário em que a democracia se torna em mera mudança de caras e não de políticas (que não contrariem o tal chão comum, claro está). A alternância sem alternativa não garante a democracia, Henrique Monteiro, destrói-a. Que o PSD tenha percebido que podia ganhar eleições sem se mostrar diferente do PS eu percebo. Mas a única coisa que nos garante é uma democracia assente em dois partidos igualmente imobilistas, igualmente gestores, igualmente apáticos que alternam entre si. É o que se pode chamar um par de alterne.

Aceite daqui um abraço de quem sempre o lê com atenção.