Ao contrário da maioria dos comentadores, não sou especialista em geopolítica, nem nas relações (difíceis) entre a Rússia e a Ucrânia. Apesar de ter umas noções vagas de Relações Internacionais, reminiscências de uma licenciatura feita há uns bons anos, sei o suficiente para saber que não estou habilitado para opinar dignamente sobre o tema. Assim sendo, vou tratar hoje de uma matéria que creio ser importante: o futuro da Direita em Portugal.

Os resultados eleitorais do passado dia 30 de Janeiro foram surpreendes. A dilatação da maioria do Partido Socialista, premiando o incumbente, parece ser contraditória com uma sondagem recente do ICS-ISCTE na qual a maioria dos inquiridos acha que o país está a ser mal conduzido e as perspectivas para a próxima década são más. Neste contexto, seria expectável que a oposição conseguisse capitalizar e derrotar os incumbentes nas urnas. Será isto mérito do PS ou, pelo contrário, demérito da Direita? Vamos por partes.

Em primeiro lugar, olhemos de frente para o elefante no centro da sala. Com a governação de Passos Coelho, o PSD perdeu uma fatia importante do eleitorado: os mais velhos e os reformados. Independentemente daquilo que possamos achar da política do PSD nos anos de chumbo da troika, a cicatriz eleitoral continua e, possivelmente, apenas sarará com o tempo. Sem pelo menos uma fatia substancial deste eleitorado, será difícil que a direita consiga voltar ao poder.

Em segundo lugar, é importante acabar o messianismo. Não existe qualquer homem ou mulher providencial que venha salvar o PSD. O eventual regresso de Passos Coelho ao PSD, sinalizando uma época em que a direita era mais limpa – sem o Chega e a IL – não teria qualquer benefício eleitoral. Perdidos os mais velhos, como vimos no ponto anterior, Passos Coelho não tem apelo para os mais jovens, agora servidos pela IL, ou para uma direita securitária, que está bem servida pelo Chega de André Ventura. Os candidatos que se perspectivam não sinalizam qualquer rompimento com o passado. Pelo contrário continuam a acreditar no mito messiânico que o líder carismático ira reconduzir a Direita ao poder. A importância das ideias novas, da coragem de romper com o status quo e a necessidade de renovação de quadros intermédios são, no entender de quem acha que a mudança do líder tudo resolve, irrelevantes.

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Em terceiro lugar, a Direita precisa de ter a capacidade de marcar o debate e, acima de tudo, os termos do confronto político. Senão vejamos. Portugal está estagnado há 20 anos, com o PS a ter governado a esmagadora maioria desse tempo. Apesar disto já ser perfeitamente visível em 2019, apenas na campanha de 2022 a estagnação do país, posta assim nestes termos, foi um tema de campanha. Agora, até António Costa assume que o desígnio do seu novo governo é terminar de vez com a estagnação e evitar que Portugal se afunde, ainda mais, na cauda da Europa. Não surpreendentemente, quem politizou a estagnação do país foi a Iniciativa Liberal. Sendo um partido novo, a IL precisou de delinear uma estratégia de politizar temas que estavam latentes, mas não eram ainda objecto central no combate político e nas decisões dos eleitores. A capacidade que a IL demonstrou em marcar a agenda política de forma clara, assacando responsabilidades ao incumbente, é vital para que a direita consiga recuperar a centralidade em Portugal.

Em quarto lugar, a Direita tem de deixar de estar acantonada nos temas clássicos do défice orçamental, da dívida ou até do crescimento económico. Por um lado, numa daquelas supremas ironias da história, a intervenção da troika alterou definitivamente a importância do défice e da dívida na cultura política Portuguesa. Hoje em dia, até o PCP e o BE, quando apresentam as suas ideias têm sempre o cuidado de afirmar (pelo menos do ponto de vista retórico) que não porão em causa o défice e a dívida. Por outro lado, a Direita tem de agarrar a sério, e não com meras declarações de frases de efeito, os temas que interessam, e muito, às novas gerações: mobilidade social, alterações climáticas, a centralidade da ciência num novo modelo de crescimento económico. A Direita não pode deixar que o PS seja percepcionado como o dono destes temas. Tem de haver um discurso articulado sobre tudo isto, em articulação com quadros médios e altos, com académicos e com o sector privado.

Em quinto lugar, não devemos confundir a crise do CDS. A extinção deste último não é qualquer tragédia. Encomendado pelos militares em 1974 a Freitas do Amaral, para emular os sistemas partidários Europeus, os quais tinham quase todos um partido Democrata Cristão, o CDS cumpriu, no fundamental, o seu papel: incorporar no sistema democrático elites e massas que tinham ligações mais próximas ao antigo regime. Em 2022, o Chega e a Iniciativa Liberal dividem entre si os despojos daquilo que foi o CDS, clarificando a oferta partidária no sistema político Português.

Por último, as elites do PSD precisam de mentalizar-se que o partido dificilmente voltará a ter votações históricas superiores a 35%, o que, de resto, colocará o partido em linha com os seus congéneres Europeus. Na competição política na Europa, o PS é, neste momento, um caso atípico de partido dominador no seu espaço político, com três partidos pequenos à sua esquerda. Cada vez mais, a regra, à direita e à esquerda, consiste em ter um partido pivot com uma votação entre os 25-35 por cento, à qual se somam um ou dois partidos com resultados que são suficientes para dar maioria absoluta ao respectivo bloco político. Os governos maioritários de um só partido, especialmente em países com sistemas eleitorais proporcionais, são cada vez mais raros. As coligações, que tornam, de resto, as democracias mais consensuais e inclusivas, são a regra. A Direita tem 4 anos pela frente para renovar ideias, pessoas e estratégias. O país precisa dessa renovação, de outra maneira seremos (ainda mais) o México da Europa, com um partido dominante com rotação de poder via facções internas.