Olha-se para dentro, para Portugal, e para fora, para essa obscura totalidade mais aberta do que se pensa chamada mundo, e encontramos vários problemas que se repetem, variando nauralmente em modo e intensidade. Três são talvez dominantes: a preocupação da segurança – queremos viver, enquanto indivíduos, sem a ameaça permanente do que nos põe, de múltiplas maneiras, em risco no interior da nossa própria sociedade; o desejo da paz – sentimos as guerras como um pesadelo que retorna ciclicamente e cujo renascer procuramos adiar indefinidamente ou, no mínimo, manter o mais possível longe de nós; e aspiramos a uma sociedade em que as maneiras de viver proporcionem uma realização o mais plena possível das nossas melhores possibilidades como seres humanos – buscamos, dito de outra maneira, o acordo entre a felicidade individual e a felicidade colectiva, sendo uma e outra entendidas como formas do bom viver, que comporta uma reflexão sobre um certo número de regras que nos devem orientar no comércio com os nossos semelhantes.

Longe de mim pensar que os maiores sistemas filosóficos fornecem a chave mágica a resolução destes grandes problemas práticos. Os sistemas filosóficos são mundos fechados sobre si mesmos, dotados de uma realidade que é específica a cada um deles e dos quais não é nunca inteiramente lícito deduzir princípios indiscutíveis de acção política. As vezes em que isso foi tentado, de resto, deu quase sempre muito maus resultados – e assim continuará sem dúvida a ser. Mas a filosofia pode, isso sim, isolar os grandes problemas e fornecer-nos uma luz indirecta para nos ajudar a pensar as dificuldades da nossa vida prática e das suas questões mais essenciais.

Em relação aos três problemas que mencionei no primeiro parágrafo – a segurança, a paz e a vida política feliz -, três filosofias consagraram especial atenção. Hobbes construiu a sua filosofia política dando particular importância ao primeiro, Kant ao segundo e Aristóteles ao terceiro. Nenhum deles de forma exclusiva, bem entendido, até porque tais problemas reenviam uns aos outros, mas tratando-os como problemas centrais. Em muitas versões populares das doutrinas, elas aparecem caricaturadas, de modos diferentes e com intenções diversas. Assim, Hobbes teria sacrificado tudo o que há de valioso na vida das comunidades políticas em nome de uma exigência de segurança ditada por um medo constante e obsessivo da morte violenta às mãos dos outros seres humanos. Kant teria desejado a abolição da soberania dos Estados e a formação de uma federação que tenderia à constituição de um governo mundial. E Aristóteles teria fundado toda a sua concepção da felicidade do bom viver na comunidade política na condição indispensável da existência do esclavagismo. Todas estas interpretações caricaturais são demonstravelmente falsas com a ajuda dos textos. Mas não vou, é claro, ocupar-me aqui dessa demonstração.

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