1. Não tenho dúvidas de que o centro-esquerda e a extrema-esquerda em Portugal nada querem mudar na economia portuguesa. O PS é um partido essencialmente conservador, sendo que os radicais do PCP e do BE chegam mesmo a ser reacionários com os seus delírios utópicos de sair do Euro ou de nacionalizar setores estratégicos para regressar ao Portugal de Abril.

Falemos do PS. Como dizia João Miguel Tavares no Público, António Costa “não acredita em grandes reformas. Não se trata de ele não as conseguir fazer — trata-se de não as querer fazer, mesmo.” E porque razão não as quer fazer? O que o leva a não querer ter uma administração pública eficiente e de qualidade? Ou a ter uma Segurança Social sustentável do ponto de vista financeiro que fortaleça a justiça inter-gerações? Ou a ter uma política transversal que aumente a competitividade de Portugal para atrair investimento direto estrangeiro e que capitalize as nossas empresas para investir?

Porque isso obrigaria a abrir conflitos com eleitorados fundamentais para a sua base social de apoio: os funcionários públicos e os pensionistas. António Costa não é um reformista. É uma espécie de comandante que apenas faz navegação à vista e não se afasta muito da costa com receio de naufragar.

2. António Costa encheu os bolsos dos funcionários públicos com a política da reposição dos rendimentos e diminuiu-lhes o horário de trabalho. Para a próxima legislatura, Costa promete aumentar ainda mais os salários (por muito que Mário Centeno garanta que só há dinheiro para um aumento ao nível da taxa de inflação, que anualmente nem chega a 1% e nos últimos dois meses foi mesmo negativa) e promete contratar mais colegas. Vamos deixar de lado a incongruência óbvia do primeiro-ministro afirmar ao Expresso que a crise que aí vem pode ser igual à de 2008 e, mesmo assim, aumentar ainda mais a despesa pública estrutural.

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A questão é simples: se os funcionários públicos são uma forte base social de apoio do PS, como é que os socialistas se atrevem sequer em pensar numa reforma da administração pública que levará inevitavelmente ao confronto com a CGTP e a UGT? Como é óbvio, nenhuma mudança estrutural será feita, mesmo que os serviços públicos atuais sejam genericamente maus. Melhor prova do que as imagens das gigantescas filas de espera nas finanças, na segurança social ou nos hospitais é impossível — e uma imagem que, refira-se, faz recuar o país ao anos 70 e 80.

Antes de prometer contratações e aumentos salariais, António Costa devia saber em pormenor onde há redundâncias em termos de serviços que podem ser eliminadas, onde pode haver desconcentração com a consequente transferência da responsabilidade financeira e onde há falta ou excesso de funcionários para poder gerir esse desequilíbrio.

O problema é que António Costa é, na relação que quer ter com a função pública, muito parecido com António Guterres: não quer tomar decisões que venham a gerar insatisfações.

3. Já a questão dos pensionistas é um claro exemplo do síndrome da avestruz de que padecem PS, PCP e Bloco. Uma baixa taxa de natalidade (desde os anos 80 que Portugal não assegura a substituição de gerações), conjugada com um aumento muito significativo da esperança de vida, faz com que a Segurança Social (SS) seja insustentável há muito tempo.

O Governo Sócrates prometeu que a introdução do factor de estabilidade iria resolver o problema para sempre. Agora, António Costa promete que a ‘almofada’ de 20 mil milhões de euros construída pela SS é a solução divina. Mas tudo isto é um erro crasso.

Há muitas razões para criticar o centro-esquerda e a extrema-esquerda por preferirem meter a cabeça na areia a enfrentar o problema de frente mas há uma que se destaca. Desde há muito que as contribuições dos trabalhadores no ativo deixaram de conseguir financiar as pensões a pagamento, daí o PS falar “diversificações de fontes de financiamento”. E o que é isso? É financiar a Segurança Social com dinheiro dos impostos. Ou seja, é consignar uma parte do IRC ou do adicional do IMI à Segurança Social. Só nos últimos quatro anos já foram consignados cerca de 330 milhões de euros.

Como é óbvio, quando a sustentabilidade da Segurança Social passa a depender do dinheiros dos impostos, deviam fazer soar as campainhas vermelhas como aquelas estridentes das ambulâncias que passam a alta velocidade, mas nada acontece. Aliás, o BE até tem orgulho.

A minha geração e as mais novas pagarão muito caro estas políticas erradas recebendo muito menos nas futuras pensões do que aquilo que entregaram ao Estado em contribuições — e quando os responsáveis políticos que recusaram fazer reformas já cá não estiverem.

4. Há ainda outra área económica fundamental que é desprezada pelo PS de António Costa: o investimento privado. Ao contrário do Governo de Passos Coelho que tentou criar um ambiente político amigo do investimento, Costa ignora um dos problemas que tem mais contribuído para o nosso crescimento económico anémico.

Basta dizer que a Formação Bruta de Capital Fixo (um dos principais indicadores do investimento) ainda não chegou valores antes da chegada da troika: em 2011 valia 18% do PIB, enquanto que a previsão para 2018 é de 17%. Pior: desde 2000, ano em que atingiu os 28% do PIB, caiu de forma sustentada.

O facto de Portugal ter uma taxa de poupança das famílias de apenas 5% (2017) — o valor mais baixo dos últimos 20 anos — e de as empresas terem igualmente uma taxa de autonomia financeira reduzida de cerca de 30%, ajuda a explicar a descapitalização da economia e a grande dependência do crédito bancário. Daí a necessidade de investimento direto estrangeiro como do pão para a boca.

E o que pretende o PS de António Costa fazer? Pouco nada. Recusa a via de baixar o IRC e de o transformar numa das taxas mais competitivas a nível europeu — quando a Irlanda e diversos países do leste europeu têm conseguido captar ótimos resultados por esta via —, recusa aprofundar a  flexibilidade da legislação laboral para tornar mais flexíveis as regras da contratação e não quer construir um ambiente legislativo e administrativo amigável para os investidores.

Basta ver o ranking recente sobre a competitividade de Portugal no setor do turismo para ver como António Costa está errado. Com a liberalização do mercado de arrendamento e a criação de um enquadramento fiscal amigo do investimento na requalificação urbana — medidas tomadas pelo Governo Passos Coelho — o investimento do setor privado no turismo subiu de forma muito significativa nos últimos 4 anos.

Portugal devia posicionar-me mais cedo possível para captar uma parte relevante de fundos que estão a ser pensados pela Comissão Europeia e pela Alemanha para combater a crise que vem aí. Fala-se em 100 mil milhões da União Europeia e um cerca de 450 mil milhões de euros na Alemanha — para financiar projetos em economia digital, na emergência climática e nas infra-estruturas, Portugal devia posicionar-se o mais cedo possível para captar esse investimento direto europeu. Mas nada está a ser feito.

5. Se António Costa também não quer efetivamente lutar contra a corrupção (nem investimento nem medidas legislativas de relevo são propostas paras as legislativas), se se deixa contaminar com preconceitos ideológicos na relação entre o setor privado e o setor público na Saúde, se não quer fazer ruturas no sistema de ensino para atingir a qualidade dos países mais avançados e com a qualidade de recursos humanos de que tanto fala regularmente (e que demora várias gerações a atingir), então, afinal, para que quer uma maioria absoluta? Para gerir simplesmente gerir o poder sem ajudar a construir um melhor futuro para Portugal?

Então, mais vale ficar com uma maioria relativa e repetir mais quatro anos de oportunidades perdidas.