Quando comecei a ser portista, o FC Porto não era campeão há 15 anos. Ainda teríamos que esperar mais quatro anos para ser campeão. Foi o Cubillas, o meu primeiro jogador preferido, que me fez portista. De certo modo, é difícil de explicar a minha escolha. Vivi sempre em Lisboa e na minha família o clube preferido era a Académica, seguido a alguma distância pelo Porto. Mas, a verdade é que começou em meados da década de 1970 a minha paixão pelo Porto. Não foi fácil assumir o meu portismo perante os meus amigos e colegas de escola. Eram todos do Benfica e do Sporting. Foi a minha versão da saída do armário. Desde aí sei alguma coisa sobre minorias. Uns olhavam para mim com um ar estranho, como se eu tivesse enlouquecido, e outros não acreditavam. Todos foram gozando comigo e com as derrotas do Porto. Eu próprio não sabia porque tinha escolhido o Porto, mas já não conseguia mudar. Gostava mesmo do Porto e habituei-me depressa a ser um portista em Lisboa.

Tinha 11 ou 12 anos e chegou ao Porto um grande treinador Pedroto e jogadores como Gabriel, Freitas, Rodolfo, Ademir, Octávio, Oliveira, Seninho, Duda e Gomes começaram a brilhar. Fomos campeões dois anos seguidos. A primeira vez devido a um golo do Ademir contra o Benfica a fazer o empate. Estava a ouvir o relato e nunca me esquecerei da alegria que senti. Depois desses dois campeonatos, houve o famoso “verão quente nas Antas”, e Pedroto saíu juntamente com Pinto da Costa, ambos em guerra com Américo de Sá, o então Presidente do Porto. Foi o primeiro teste ao meu portismo. O meu ídolo da altura, José Maria Pedroto, abandonara o meu clube, e em guerra. Mas resisti. Voltámos à sina das derrotas, até que Pinto da Costa regressou, como Presidente, em 1982. A partir daí, tudo mudou. O Porto nunca mais seria o mesmo. Com Pinto da Costa, regressou Pedroto que, tragicamente, morreria pouco tempo depois. Primeiro Sá Carneiro, depois Pedroto, as duas mortes que me encheram de tristeza na minha infância, e ambos da cidade do Porto.

Com Pinto da Costa, o Porto voltou a ser campeão em Portugal e começou a ganhar na Europa. Ainda perdemos uma final da Taça das Taças com a Juventus, por dois a um, mas fizemos um grande jogo. Foi quando jogadores como Jaime Pacheco, Frasco e Sousa se começaram a mostrar à Europa. Depois veio Artur Jorge e com ele dois foras de série, Futre e Madjer. Voltámos a ser duas vezes campeões, com Futre a ser decisivo nos dois anos. Lembro-me de ver jogos na Luz, em Alvalade, no Restelo, no Bonfim, em que Futre ficava sózinho na frente e dava cabo das defesas contrárias. O ciclo de Artur Jorge, Futre e Madjer acabou na inesquecível final de Viena. A vitória ao Bayern de Munique na final da Taça dos Campeões, depois do Porto ter chegado ao intervalo a perder um a zero, foi a maior alegria que senti no futebol (só a vitória de Portugal no Europeu de 2016 se pode comparar). O meu Porto, o clube que tinha estado tanto tempo sem vencer em Portugal, sem qualquer título internacional, tornava-se campeão europeu. Uns meses depois, sob a neve de Tóquio, fomos campeões do mundo, com um golo daquele grande jogador e portista, Rui Barros.

Os portistas de Lisboa já podiam mostrar o seu enorme orgulho. Continuámos a ganhar muitos campeonatos em Portugal. Grandes treinadores, como Carlos Alberto Silva, Ivic, Bobby Robson, Fernando Santos, e grandes jogadores, João Pinto, Aloísio, Fernando Couto, Branco, Emerson, Kulkov, Zahovic, Drulovic, Domingos, Kostadinov e tantos outros, passaram pelo nosso clube. Este ciclo de domínio do futebol nacional terminou com um penta, feito ainda hoje único. Mas havia uma frustração: o Porto não voltou a ganhar na Europa. A essa frustração juntou-se a desilusão de três anos sem o título nacional, depois do penta. Pinto da Costa enfrentava um enorme desafio: como se reinventar depois de ter ganho tudo? Foi a primeira vez que se ouviu falar do fim do ciclo do Porto.

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Mas o Porto voltou a ganhar. Pinto da Costa foi buscar um treinador quase desconhecido e sem currículo, José Mourinho. Entre 2002 e 2004, o Porto ganhou tudo o que havia para ganhar. Dois campeonatos, uma Taça UEFA, uma Champions e mais um Taça Intercontinental. Depois de Viena, achei que nunca mais veria o Porto ser campeão europeu. Mas vi, e com mais uma equipa formidável. Vitor Baía, o maior guarda redes que vi no Porto, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Maniche, Deco (o maior de todos), Derlei, Alenitchev, McCarthy, era uma equipa de luxo e com um futebol que nos regalava. A final da Champions contra o Mónaco foi um hino ao bom futebol.

Depois de tanto ganhar, o Porto continuou a vencer. Com Jesualdo Ferreira ganhámos quatro campeonatos seguidos, o segundo tetra. Depois, com Villas Boas, o Porto venceu tudo de novo: campeonato, taça de Portugal e a taça europeia, antiga taça da UEFA. E com mais uma grande equipa com jogadores magníficos: Helton, Fernando, Moutinho, Falcão, Hulk e Jaime Rodriguez. Depois de três campeonatos seguidos, o Porto não ganha há quatro anos, o pior registo de Pinto da Costa à frente do clube. Coloca-se de novo a questão do fim do ciclo portista e mais uma vez o teste à capacidade de Pinto da Costa de se reinventar como um vencedor. Para esta época ainda está tudo em aberto e o campeonato será discutido até ao fim. Uma vitória na Champions será muito difícil, mas o Porto já mostrou que nada é impossível. Mas uma coisa é certa. Voltámos a ter um grande treinador, e portista. Temos de novo uma equipa à Porto, que dá gosto ver jogar. Esse prazer já ninguém nos tira.

Quando me tornei um portista de Lisboa, com menos de 10 anos de idade, o Porto não era campeão há quase duas décadas. Cerca de 40 anos depois, o Porto ganhou mais de 20 campeonatos, incluindo um penta e dois tetras, venceu quatro competições europeias e duas taças intercontinentais. Um pequeno clube regional tornou-se um grande clube europeu. O mérito é sobretudo de Pinto da Costa, o dirigente com mais sucesso na história do futebol europeu. Por tudo isso, e pelo dia de hoje, os meus parabéns Jorge Nuno Pinto da Costa. O homem que nasceu no dia dos Santos Inocentes, já disse que se sente com energia e ainda com anos para dar ao Porto. Nas suas palavras, “são 65 anos mais IVA.” E há quem diga que os 80 são os novos 70.