A eleição do quarto vice-presidente para a composição da mesa da Presidência da Assembleia da República está envolta em polémica. Desnecessariamente, diga-se, e tudo porque se confunde o conceito de democracia.

Tudo isto tem como causa o nome proposto pelo Partido Chega para ocupar o lugar de vice-presidente da mesa da Assembleia da República. Diogo Pacheco de Amorim é o nome que está no centro do debate político.

Ditam as regras que a mesa da Assembleia da República é um órgão composto pelo presidente, por quatro vice-presidentes, quatro secretários e quatros vice-secretários eleitos por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções e pelo período da legislatura. Os vice-presidentes são propostos pelos quatro maiores grupos parlamentares e os secretários e vice-secretários pelos grupos parlamentares que tenham, pelo menos, um décimo do número de deputados.

O tema é tratado pelo regimento da AR mas por uma questão de hierarquia legal darei relevo ao preceituado no Artigo 175º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que com o seguinte teor:

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«Artigo 175.º – (Competência interna da Assembleia)

Compete à Assembleia da República:
       

a) Elaborar e aprovar o seu Regimento, nos termos da Constituição;


b) Eleger por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções o seu Presidente e os demais membros da Mesa, sendo os quatro Vice-Presidentes eleitos sob proposta dos quatro maiores grupos parlamentares;

c) Constituir a Comissão Permanente e as restantes comissões.»

Pelo resultado das recentes eleições legislativas, dando cumprimento ao estatuído no artigo 175º da CRP na parte final da sua aliena b), o partido Chega tem o direito de propor um nome para o lugar de vice-presidente da mesa da Assembleia por ter conseguido eleger 12 deputados tornando-se a terceira força política no parlamento português.

Parece circular pelos vários meios de comunicação uma vitimização hiperbólica do Partido Chega, já esperada, com a recusa do nome de Pacheco Amorim. Disse o líder do partido Chega sobre o tema em apreço: “em democracia não pode haver partidos filhos e enteados”.

Nunca André Ventura disse algo tão verdadeiro, mas, certamente por lapso, se esqueceu de dizer que em democracia há uma coisa a que se chama voto e para eleger o seu candidato ele precisará de 116 deputados a votar favoravelmente o seu nome, uma vez que se trata de uma eleição e não de uma nomeação.

André Ventura vê então numa não eleição um acto anti democrático. Mas vamos por partes para ver se nos entendemos.

A democracia tem por base e por princípio a livre escolha. Isto é, o sujeito, de acordo com as suas convicções, quando é convidado a eleger o que quer que seja, até para o seu condomínio, fá-lo-á por meio do voto. Nada mais democrático que isto.

Se uma determinada maioria escolheu por esse meio tão legítimo e grandioso uma determinada opção, há que aceitar democraticamente o resultado por parte do vencido. É assim em quase tudo na vida.

Se é verdade que o partido Chega tem o direito de propor um deputado para o cargo de vice presidente da Mesa da Assembleia da República , não é menos verdade que o nome proposto pode ser legitimamente recusado.

Ora, nenhum nome, como atrás referi, se trata de uma “nomeação” directa, mas sim de uma eleição com as suas devidas e democráticas consequências.

Nada disto é uma imposição mas sim o resultado de um acto democrático e livre, ao qual se dá o nome, num Estado de Direito Democrático, de liberdade de escolha.

Dito de outra forma: a recusa de um nome ou a sua aprovação para um qualquer cargo sujeito a escrutínio resultará sempre de um resultado que provém de uma votação, significando isto a democracia funcionar no seu estado mais puro. Creio, que não há à volta a dar a esta questão.

Quando se afirma que se conviveu com vice presidentes da mesa da Assembleia vindos do Bloco de Esquerda ( BE) ou do Partido Comunista Português ( PCP), como José Manuel Pureza e António Filipe, deve afirmar-se igualmente que estes nomes resultaram também eles de uma sujeição livre e democrática através de uma eleição, em suma de um acto democrático.

Discutir este facto é pôr em causa o normal funcionamento das instituições e, quer se goste ou não do seu funcionamento ou das suas regras, é com elas que tivemos que viver. É assim que se vive em democracia, é assim que tudo isto se processa.

Se os senhores deputados assumirem por maioria o chumbo do nome proposto pelo Chega, não vejo nesta decisão nenhum atentado contra a democracia e contra o Estado de Direito, antes pelo contrário, da mesma forma que ninguém poderá afirmar que quando os Portugueses elegeram 117 deputados do Partido Socialista, atribuindo-lhe uma maioria parlamentar por quatro anos dirá que foi um acto anti-democrático. Eu cá não gostei e muitos como eu também não, mas teremos de conviver com este facto, não se podendo afirmar que a democracia não funcionou.

Funcionou de tal maneira que o resultado está à vista. Se a escolha dos Portugueses foi a que foi, e sendo os deputados eleitos representantes dos eleitores, todas as votações que em nome do povo se façam estão legitimamente mandatadas pela vontade popular e cada bancada parlamentar procederá com essa mesma vontade. Estou convencido de que se esta votação fosse realizada, não pelos senhores deputados, mas por nós eleitores, o resultado era igual àquele que se prepara para ser.

Mas não é de teses ou de conceitos Constitucionais e regimentais desvirtuados da realidade que aqui se trata.

O que não se pode confundir é uma eleição democrática e livre entre pares, com uma nomeação directa e, ao que parece, é isto que muitos estão propositadamente a confundir.

O que agora se aborda é tão simplesmente isto: há o direito de um candidato a ocupar um determinado cargo e por consequência há o direito de rejeitar esse mesmo candidato?

As regras do jogo já eram sobejamente conhecidas e por essa razão a queixa, a vitimização e o falatório não parece ser adequado quando aquilo de que se trata é do mais puro exercício democrático numa eleição.

Será melhor debater a possível escolha para a segunda figura do Estado Português que, dizem as más línguas, ser nada mais, nada menos que a socrática e sectária Edite Estrela.

É com ela que nos devemos preocupar e não com Pacheco de Amorim. Não porque a senhora seja eleita por alguma forma anti democrática, mas sim pela sua história política que em nada abona a seu favor.