O relatório científico da UNESCO 2021 acaba de ser divulgado e revela que as mulheres ainda representam uma minoria nos ramos da Indústria 4.0, que engloba tecnologias relacionadas com big data, automação, Internet of Things (IoT) e Inteligência artificial (IA), entre outras. Embora tenham chegado à paridade (45-55%) com os homens ao nível da educação em licenciatura e mestrado, as mulheres continuam a ser uma minoria nas áreas da transformação digital, computação, física, matemática e engenharia, áreas estas que estão a liderar a 4ª Revolução Industrial, e por isso, a criar os empregos de amanhã. O caminho para a paridade de género pode estar comprometido se não forem feitos esforços ao nível legislativo, académico e empresarial para atrair estudantes e trabalhadoras do género feminino para estas áreas e para, acima de tudo, as manter nestas áreas.

Embora ao nível de educação superior se tenha atingido a paridade, as mulheres estão a deixar as áreas de tecnologia em maior número que os homens – as razões citadas no relatório científico da UNESCO são a falta de condições de trabalho, a falta de acesso a cargos estratégicos e a desaceleração no progresso das suas carreiras. Efetivamente, nas empresas tecnológicas as mulheres continuam a ser uma minoria a desempenhar cargos de liderança ou técnicos – o quadro é o mesmo seja nas grandes empresas multinacionais como Google, Amazon, Facebook, seja no mundo das startups.

Muitas mulheres se sentiram empoderadas a agir e a seguir a filosofia Lean In de Sheryl Sandberg, no entanto esta gerou também alguma controvérsia, visto que pressupõe que a mulher seja a única responsável pelo seu sucesso, sem olhar o quadro social generalizado onde estão inseridas, a disparidade de vencimentos e o peso desproporcional das tarefas domésticas que continuam a assumir. Foram muitos os estudos publicados em 2021 que revelaram o impacto desproporcional da pandemia COVID-19 na carreira das mulheres – um estudo da Deloitte indica que quase 70% das mulheres sentem que a progressão das suas carreiras vai abrandar devido às responsabilidades domésticas acrescidas que assumiram durante este período.

Embora a igualdade de género esteja a ser promovida na partilha de licenças parentais entre homem e mulher, o estigma ainda é grande, seja para os homens, que só recentemente começaram a usufruir de licenças mais alargadas partilhando-as com as cônjuges, como para as mulheres, que se sentem pressionadas a voltar rapidamente aos seus postos de trabalho para evitarem micro-agressões (comentários e atitudes discriminatórias, não inclusão em projetos estratégicos ou a não consideração para promoção, por exemplo), ou condições de trabalho inferiores às que deixaram, ainda que a legislação supostamente as proteja.

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Encontramo-nos ainda longe de uma realidade em que tanto mulheres como homens possam usufruir de licenças parentais sem que isso afete a progressão nas suas carreiras. Numa altura em que ainda são as mulheres a assumirem a totalidade ou maior parte da licença parental, o impacto continuará a ser na carreira das mulheres. Muitos estudos indicam que existe uma correlação entre maiores margens de lucro e uma workforce diversificada, e que por esse motivo, temos visto uma tendência das empresas para se adaptarem nesse sentido e atraírem investidores. Mas enquanto não houver um verdadeiro interesse de investir em mecanismos para assegurar a continuidade e progressão da carreira dos colaboradores, estes vão continuar a abandonar as suas carreiras, na sua maioria mulheres, e a disparidade continuará a aumentar.

É necessário que os investidores se pronunciem, que haja mais legislação, e que mais empresas sejam responsabilizadas por atitudes discriminatórias e falsas promessas de inclusividade. Acima de tudo, é necessário que se continue a falar sobre este assunto – para que os homens possam partilhar as licenças parentais em maior proporção livres de estigma, e para que as mulheres possam partir o tempo que acharem necessário – sem que a progressão da carreira de nenhum dos dois saia prejudicada.

Matilde Neffe é formada em Engenharia Biomédica no Instituto Superior Técnico, e com um Mestrado em Gestão na Católica-Lisbon, trabalha na Amazon há quase 8 anos. Desde então já assumiu cargos de vendas, operações e marketing dentro da empresa – primeiro na Amazon.fr em Paris, depois na Prime Video em Londres, e mais recentemente na AWS Startups em Lisboa.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.