O dr. Mota Soares, que é segundo na lista de candidatos do CDS às europeias, está em vias de deixar de o ser por causa da nova lei da paridade nas listas eleitorais. A lei, que tem o apoio fervoroso de PS, PSD e BE, também é apoiada, embora a contragosto, pelo partido do próprio dr. Mota Soares, o que torna o destino deste particularmente ingrato. Os únicos que estão contra a lei são os comunistas, benza-os Deus.

Esta posição dos comunistas merece a concordância do Pamplona, que foi meu condiscípulo e agora é meu médico. Disse-mo à saída do ginásio onde ambos combatemos a artrite e apreciamos a beleza duas vezes por semana, ao fim da tarde. Ele admite a custo a concordância porque se considera, aliás correctamente, um liberal anti-comunista. Eu não me espanto porque tanto ele como eles foram forjados no mesmo molde iluminista: eles por causa de Marx e ele por causa de Frank, todos comungam do catecismo de Rousseau e a ideia de dividir homens e mulheres em matérias de cidadania é-lhes repugnante. Ele próprio gosta de dizer que os comunistas são os últimos socialistas verdadeiros e que a súcia que se acoita no PS e no BE não passa de uma colecção de trânsfugas do romantismo e do spleen baudelairiano, sem respeito por nada nem ninguém.

A D. Aurora, que é transmontana e católica e a senhora cá de casa, afina pela mesma ideia (“Que senso há em contar homens e mulheres como se fossem bois e vacas?” disse-me há dias enquanto me dobrava as meias) e já diz que é uma pena que o “senhor doutor” (que é o nome que ela dá ao Pamplona), que é tão boa pessoa, ande assim por aí perdido para o Senhor. Ainda não disse o mesmo de Jerónimo de Sousa mas quer-me parecer que está por dias. Ao que a D. Aurora não achou graça foi à minha lembrança de fazer o dr. Mota Soares ir à Conservatória do Registo Civil declarar-se mulher. (“Cruzes, credo, senhor doutor!” gritou. “T’arrenego Belzebu!”) Até ameaçou deixar de votar no partido da D. Assunção (que ela insiste em tratar por Assumpção, com “p”). Eu, que não quero estragar as perspectivas eleitorais dos centristas e prezo as minhas camisas, calei-me.

Mas já decidi: o meu voto vai para o primeiro partido que apresente uma lista só de homens ou só de mulheres, em que metade deles (ou delas) se declare do género oposto para efeitos civis e políticos. Até já tenho um nome para o partido. Podiam chamar-lhe PCT-IT: Partido Cis Trans, Inclusivos e Transformers. Havia de ser um êxito.

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