O meu avô paterno era médico. Um cirurgião do tempo em que a Medicina não sabia assim tanto, mas os médicos sabiam muito. Era um homem cheio de mundo, de cultura, de amizades, de talentos e de gosto pela vida. Conheci-o bem e convivi muito com ele.

No final dos anos 80, o meu avô tinha 70 anos e eu era uma criança. Certamente por isso, nunca percebi quando começou a andar curvado e vagaroso – e parecia-me normal que levasse a chávena de chá aos lábios lentamente.

Os seus passos eram curtos e quando se voltava para mim, fazia-o em duas ou três etapas e não numa só. O seu sorriso demorava alguns segundos a afirmar-se, mas também se desvanecia lentamente, os olhos piscavam menos, a voz sumia-se, apoiando-se sempre na mesa ao levantar-se da cadeira depois do almoço. Tocava guitarra e tentava ensinar-me a jogar xadrez.

Lembro-me do dia em que me disseram que tinha uma doença de Parkinson, já eu era mais velha – e de como isso me surpreendeu. Para mim, aquele ritmo brando que o caracterizava era apenas o ritmo dos avós, que nunca são rápidos como os netos.

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Desde esse dia prestei mais atenção.

A doença de Parkinson foi descrita pela primeira vez num ensaio elaborado precisamente por um médico cirurgião – James Parkinson – no século XIX, cerca de 100 anos antes de o meu avô nascer, que nomeou esta estranha patologia como “paralisia agitante”. Essa designação tão observacional não podia caracterizar melhor a doença, que combina rigidez e bradicinesia (paralisia) com tremor (agitante).

Mais de 200 anos após a sua primeira descrição, a doença de Parkinson – como muitas doenças degenerativas do sistema nervoso central – mantém-se um enorme desafio para os doentes e para os clínicos. É uma doença de diagnóstico clínico (que depende da observação do doente), embora existam exames complementares de diagnóstico que podem ser requeridos com a intenção de excluir outras causas de parkinsonismo.

Hoje, sabe-se muito mais sobre as características e evolução desta doença, o que tem trazido avanços na compreensão e no desenvolvimento de novas terapêuticas, quer farmacológicas, quer cirúrgicas. Ainda que não se conheça, até ao momento, uma estratégia curativa ou preventiva, há maior diversidade terapêutica, o que permite adequar melhor o tratamento a cada tipo de doente e a cada fase da doença. Essa é, aliás, a grande ferramenta contra a doença – um acompanhamento médico regular e atento, que facilite os ajustes terapêuticos de forma gradual, reduzindo a sintomatologia, contendo os efeitos adversos e evitando a perda de qualidade de vida.

A progressão da doença é inevitável, mas as suas manifestações podem ser minimizadas e compensadas, devolvendo ao doente as suas competências na vida do dia-a-dia, pelo menos nas fases iniciais. Nas fases mais avançadas, a diminuição da resposta à terapêutica e as complicações decorrentes da degeneração e da polimedicação merecem uma atenção ainda mais assídua.

Por esse motivo, é necessária uma resposta atempada às necessidades e um acompanhamento regular destes doentes crónicos, que são particularmente vulneráveis aos efeitos da pandemia. Os serviços de saúde adaptaram-se, no sentido de assegurar uma assistência segura aos doentes, que deve manter-se sempre que possível e não deve ser adiada.

A 11 de abril assinala-se o Dia da Doença de Parkinson. A investigação na área das Neurociências é a que promete mais respostas às angústias clínicas neste século e transformar a história das doenças degenerativas. Por ora, concentramo-nos em ter doentes cada vez mais bem medicados e informados, com terapêuticas mais bem selecionadas. Precisamos conhecer as pessoas, ouvir a sua história, a sua vida, os seus gostos e as suas inquietudes para compreendermos a sua doença.

O meu avô, um dia, disse-me que “quem só de Medicina sabe, nem de Medicina sabe”, mensagem que não compreendi na altura, mas que me serve de esteio hoje.