Em cerca de uma semana, o Partido Socialista fez prova da sua constância na inconstância ao intercalar uma atitude altamente responsável entre duas outras perfeitamente descabidas. Comecemos pelo lado positivo. Um ativo a creditar ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Assim, confrontado inesperadamente com uma decisão unilateral e arbitrária de Espanha relativamente às regras de gestão da fronteira física comum, Augusto Santos Silva foi lesto a classificar a ação como um lapso. A única forma de evitar um incidente diplomático gravíssimo e que em nada serviria os interesses portugueses. Mais ainda, ao desvalorizar o alcance da decisão, o ministro como que obrigou a Espanha a emendar a mão de imediato. Uma prova de que a diplomacia portuguesa sabe que não são apenas os eixos normativo, polemológico e economicista que regulam as relações internacionais. Por isso, nada melhor do que recorrer ao eixo da palavra avisada. Afinal, como diz a Bíblia, no princípio era o verbo.

Só que o Partido Socialista que soube resolver com elevação um ato passível de criar um enorme problema diplomático, é o mesmo partido que resolveu nomear Pedro Adão e Silva para o cargo de comissário para as comemorações do meio século do 25 de Abril. Uma escolha longe de consensual malgrado a concordância manifestada pelo Presidente da República. De facto, para uma parte considerável dos portugueses e das lideranças partidárias a nomeação soou a uma espécie de recompensa pelo teor dos comentários frequentemente favoráveis à governação socialista que Pedro Adão e Silva fez ao longo dos últimos anos nos meios de comunicação social onde beneficia de um mediatismo porventura exagerado tendo em conta que ainda está muito longe de chegar ao topo da carreira universitária. A lista de benesses a que Adão e Silva terá direito mostra claramente que não se trata de um comissário na conceção preconizada por Rousseau.

Porém, ainda o currículo académico do nomeado andava a ser escrutinado quando o país tomou conhecimento de mais um passo em falso do Partido Socialista. Desta vez a nível do Poder Local e logo na Câmara mais importante do país. Caso para dizer que na governação socialista um mal nunca vem só.

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Assim, Fernando Medina, outro dos socialistas mediáticos, viu-se colocado no centro de um incidente de contornos ainda não totalmente definidos, mas indubitavelmente de natureza gravíssima, pois a partilha ou cedência de dados pessoais, quando não autorizada, consubstancia crime face à legislação comunitária. Além disso, a circunstância desses dados pessoais terem sido facultados a um país onde vigora um regime autoritário ainda aumenta a dimensão do desastre.

Bem pode a embaixada da Rússia garantir que qualquer um dos ativistas cujos dados foram partilhados pode regressar à Rússia sem que nada de mal lhe aconteça. Na verdade, para além de Putin e da sua corte e apaniguados, haverá alguém que acredite na palavra de um regime onde, de acordo com o índice do The Economist, não existe democracia? Aliás, talvez convenha recordar que a manifestação convocada pelos referidos ativistas se destinava precisamente a pedir a libertação de um opositor de Putin.

O pedido de desculpas de Medina a quem, juntamente com os familiares e amigos, foi colocado em risco tem um valor semelhante ao pedido às autoridades russas para que apaguem os dados que receberam indevidamente. Não vale nada, mais a mais quando surgem vozes a dar conta de que esta não é a primeira situação em que a Câmara de Lisboa fornece abusivamente os dados de manifestantes.

Como se percebe, este assunto ainda não está esgotado e, em condições normais, faria correr muita tinta e levaria à demissão de Medina. Só que a praxis da governação socialista é outra. A tática, coisa diferente de estratégia, passa por saltitar de caso para caso para que as novidades envelheçam rapidamente e os portugueses não tenham tempo suficiente para as analisar.

Assim sendo, não deve demorar a surgir novo caso neste reino cor-de-rosa. Nova pancada no cravo? Provavelmente, na ferradura!