Pelo que li, o programa político do Chega assenta em três traves mestras: prisão perpétua para bandidos, castração química de pedófilos e desconfiança face a imigrantes que vivem às custas do contribuintes. São três ideias fortes, ainda que conflituantes. Por exemplo, André Ventura nunca explicou como pretende castigar um estrangeiro condenado por pedofilia, se isso implica alojá-lo para sempre de borla e castrá-lo quimicamente a expensas do SNS. Mas isso não atrapalha Ventura, um homem que sempre desejou abanar as estruturas. No seminário, quando pensou ser padre, queria mudar a Igreja por dentro. Agora, enquanto candidato, quer mudar o sistema político por dentro. No fundo, é uma espécie de supositório humano: faz-se introduzir dentro do organismo para depois exercer a sua influência. Eis André Ventura, metade glicerina, metade convicção ideológica.

Apresenta-se como um político diferente, que fala a verdade, sem hipocrisias, mas, vai-se a ver e é igualzinho aos outros. Começa logo no nome que deu ao partido. Como é que um movimento anti-imigração se chama “Chega”, que, como sabe quem conhece o tema “A agulha e o dedal”, interpretado por Beatriz Costa na Canção de Lisboa, pode ser entendido como um convite para vir para o pé de nós, seja uma agulha ou um cidadão estrangeiro? “Ai, chega, chega, chega, chega minha cabo-verdiana que quer vir trabalhar para Portugal”, parece cantar Ventura. Se queria evitar a ambiguidade, devia ter chamado ao partido “Afasta”, que é o que Beatriz Costa faz ao dedal.

O discurso contra a imigração é onde a incoerência de Ventura se evidencia. Não faz sentido ser contra a livre circulação de trabalhadores, ao mesmo tempo que se se candidata a um emprego em Estrasburgo. Se Portugal é para os portugueses, a França deve ser para os franceses. Suponhamos que André Ventura é eleito e, certo dia, vai a uma das sessões do Parlamento Europeu realizadas em Bruxelas, cidade conhecida pela variedade étnica. Ao passear, repara que vem um argelino na sua direcção. Imediatamente, atravessa a rua. Mas constata que, no outro passeio, está um sudanês. Hesita durante um instante, tempo suficiente para ser atropelado por um táxi conduzido por um romeno. A questão é: aceitará André Ventura ser tratado pelo Sistema de Saúde da Bélgica? Ou, para ser coerente com os seus princípios nacionalistas, evitará sobrecarregar o contribuinte belga, adiando os cuidados médicos até vir a Portugal? Adiamento que pode ser maior do que se julga, se, como é natural num bom português, voar na TAP.

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