Reconheço que me incomodam as pessoas que, nesta altura, se insurgem contra o consumismo. E, à boleia dessa cruzada, com um ar severo e duma forma quase repreensiva, opõem o consumo aos valores do Natal. Na verdade, elas sentem-se mais do que nós. Mais esclarecidas. Mais iluminadas. Mais afirmativas. Como se, ao contrário dessas pessoas, todos nos vendêssemos a um mundo neo-liberal e não medíssemosências (pouco natalícias) dos nossos actos. Ora, se há coisas curiosas no mundo em que vivemos, é a forma como todos parecemos resignados (às vezes, quase verdadeiramente intimidados) diante das “frases feitas”. Costuradas com “meias-verdades”.
É verdade que, durante o Natal, muitos de nós parecemos entrar num frenesi absurdo de presentes; inúmeras vezes. E é verdade que compramos presentes por comprar, sem um critério de escolha, de impulso em impulso, quase como quem cumpre um ritual. E onde o valor das prendas parece ser tanto maior quanto mais significativa é a culpabilidade que sentimos pelas nossas omissões, de um ano inteiro, em relação à pessoa a que damos essas lembranças. Na verdade, as prendas compradas dessa forma não são consumismo. Serão remorsos, com juros e bem embrulhados. E não têm muito a ver com o Espírito do Natal. São suplícios da carteira por pecados sem remissão.
Já a forma como distinguimos lembranças e presentes é o que há de mais natalício. As lembranças representam provas de vida da presença duma determinada pessoa na nossa memória. Porque ela lá existe, um presente representa um marco; um sinal. Uma forma de lhe demonstramos que não nos esquecemos dela. E que, porque estamos agradecidos por ela existir dentro de nós, lhe manifestamos o nosso reconhecimento — por aquilo que ela representa ou pelo que nos dá — com esse gesto. Uma lembrança não é consumismo. É um gesto de gratidão. E representa uma forma de dizermos a alguém — por mais que não nos seja íntimo — que, ainda assim, faz parte das pessoas que vivem no nosso “coração”. E a quem, por inerência, podemos considerar como fazendo parte das pessoas da família.
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