Uma pessoa muito inteligente, que estava longe de ser um anarquista, observou que “quando há poucas leis, estas são observadas com cuidado; quando os nossos movimentos são tolhidos por proibições a torto e a direito, somos tentados a ignorá-las.” A observação dá que pensar e sugere várias ideias.

A primeira é uma ideia psicológica trivial. Quando o número de leis é muito grande, é difícil lembrarmo-nos de todas elas; e lembrarmo-nos só de algumas é um esforço inglório, como sabe quem já discutiu com um polícia de trânsito ou com outro jurista. Esta dificuldade pode levar a perder a vontade de nos querermos lembrar de qualquer lei. Imagine-se dois casos extremos: uma vantagem dos Dez Mandamentos é serem facilmente memorizáveis; pelo contrário, a Constituição da República Portuguesa pressupõe uma população de elefantes que nunca existiu.

Pode contudo argumentar-se que o número de leis em vigor é fixado por necessidades menos triviais que a consideração devida àqueles a quem se aplicam, e ao estilo da língua em que são escritas. No caso português isto nem sequer é um argumento: é a única explicação plausível. Que necessidades, porém, serão essas?

Parecem ser as necessidades da justiça. Mas será que a justiça requer um número grande de leis? A espécie inventou muitas maneiras de aliar a simplicidade à justiça; as mais antigas são o uso de formulações gerais e de opiniões anteriores. Outras ainda são a parcimónia no emprego de adjectivos e locuções adverbiais. A mais importante é a confiança no talento para a analogia, e nos raciocínios daqueles que administram a justiça; estes podem com paciência e jeito ser habituados a gerar decisões que possam ser aplicadas e corrigidas.  

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Não existe nenhuma correlação entre ordenamentos jurídicos verbosos e sociedades justas. Bem entendido, tal como uma pessoa que fala pouco não é necessariamente sábia, assim a frugalidade legislativa não será necessariamente uma qualidade. Mas basta não ser necessariamente um defeito para nos desenganarmos da ideia de que a justiça requer o maior número possível de leis.

Há um acordo geral quanto à necessidade de reduzir o número de leis em vigor. O resultado costuma ser uma lei para limitar o número de leis em vigor. O modo melhor de o fazer seria começar por eliminar redundâncias, adjectivos, e disposições caídas em desuso; e excluir aquelas actividades humanas para que não vale a pena haver leis, como a posse de papagaios de papel, a comunicação social e os saldos.    

No entanto nunca parece haver acordo sobre aquilo que está a mais, seja em questões de direito, de gramática, ou de política; e assim se vão acrescentando estratos legislativos aos que já existiam, na convicção de que só poderá haver justiça quando estivermos completamente tolhidos por todas as proibições alguma vez produzidas pelos nossos antepassados; e portanto de que só poderá haver justiça quando todos ignorarmos a lei.