Como dizem que as más notícias chegam depressa, imagino que os leitores portugueses já saibam da entrevista na qual Jair Bolsonaro disse que viu umas meninas bonitas venezuelanas de 14, 15 anos e que “pintou um clima” entre eles. Caso alguém não compreenda a expressão, pintar um clima significa haver uma atmosfera sensual, propícia a uma aproximação.

Acho que essa informação soa extremamente mal para qualquer pessoa com um mínimo de decência. Alguém que não se incomode com um homem de 67 anos dizer isso sobre meninas (sim, meninas, independentemente de qualquer variável), precisa imediatamente rever seus padrões éticos e morais.

Acredito que toda mulher, ao olhar para sua vida em retrospecto, consiga se lembrar das primeiras vezes em que percebeu ser vista como objeto de desejo por homens que tinham a idade de seu pai, quiçá de seu avô. Esse é um ponto de virada na vida de toda menina. Uma perda de confiança no mundo, nos homens e na esperança de estarmos seguras.

Também acredito que todo pai de menina também se lembre bem da primeira vez em que flagrou homens da sua idade olharem de forma lasciva para suas filhas, com 12, 14, 16 anos. E esse também é um ponto de quebra, mas que deveria ser um ponto de início de luta por parte dos homens contra um sistema de abuso constante contra as mulheres, sejam elas suas filhas ou não.

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Eu me pergunto, honestamente, o que faz alguém manter seu voto em Jair Bolsonaro depois dessa fala. Já não há nada mais que se sustente. Para completar, depois da fala do presidente, partidos protocolaram um pedido para que houvesse votação antecipada de um projeto de lei que torna a pedofilia crime hediondo, mas a base de apoio ao presidente votou de forma negativa, numa tentativa de proteger Jair Bolsonaro contra futuras acusações. Foram 224 votos contrários contra 135 favoráveis.

O que está em jogo no Brasil não é um mero posicionamento entre direita e esquerda. O que está em jogo é a democracia, a segurança jurídica e a decência, em si. Eu, embora não seja conservadora, consigo entender o conservadorismo que acredita proteger a família, a moral e os bons costumes. Mas a pauta da extrema direita bolsonarista no Brasil nunca foi sobre isso. Ela é sobre acobertar crimes, sobre dar salvo conduto para os abusos das mais diversas formas, sobre ameaçar o sistema democrático.

Me pergunto, honestamente, o que faz alguém votar em quem já desceu a um patamar da indecência e da certeza da falta de punição jurídica, social e midiática, a ponto de rir dos mortos de Covid-19 em rede nacional, de dizer que não sabe se respeitará o resultado das urnas, de falar em metralhar a oposição e de, agora, endossar a pedofilia em falas públicas. Quem são essas pessoas? E o que elas carregam dentro de si? Eu já não sei mais o que pensar.