O Programa Nacional de Regadios é uma iniciativa do Governo, apresentada em 2018, que visa criar mais de 90 mil hectares de regadio até 2022. É financiado através do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e pelo Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (CEB), com um investimento público de 534 milhões de euros. O investimento será feito maioritariamente na região do Alentejo, tendendo a desenvolver e replicar o modelo de agricultura intensiva praticada no perímetro de rega do Alqueva e noutras regiões do território continental e tem a expectativa de criar cerca de 10 mil postos de trabalho.

As preocupações começam na escolha dos locais para este investimento. Embora o Alentejo seja, sem dúvida, uma potência no sector, é errado investir milhões de euros em modos de produção intensivos, como acontece hoje em dia com o olival e o amendoal intensivos, culturas dominantes no perímetro de rega do Alqueva, ocupando 61% e 14% da área total de regadio, respetivamente. O Programa Nacional de Regadios irá expandir o modelo de agricultura intensiva e os problemas a esta associados para outras geografias. Ainda mais, a aposta neste modelo acarreta demasiadas incógnitas e impactos cumulativos potenciais, que devem ser estudados através de uma Avaliação Ambiental Estratégica, tal como recomendado na legislação nacional e comunitária, de forma a assegurar que os usos previstos são adequados aos recursos hídricos existentes. Ao invés, o Programa Nacional de Regadios assenta na criação e reabilitação de infraestruturas de armazenamento e distribuição de água, desempenhando aqui as novas barragens um papel primordial, em prejuízo da indispensável conservação dos habitats e biodiversidade. Outro impacto negativo e pouco divulgado, que advém do elevado número de barragens existentes, mais de oito mil, é a retenção de sedimentos nas albufeiras, reforçando os processos de erosão da orla costeira e consequente exposição do litoral ao aumento do nível médio do mar.

Os defensores do regadio afirmam que precisamos de água para expandir os sistemas de produção agrícola nacionais. Por outro lado, segundo o Plano Nacional da Água, o setor agrícola é, de longe, o maior consumidor de água, representando mais de 70% do consumo total. É também neste sector que existe maior desperdício de água, de acordo com o Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, que indica existir um desperdício de 38%. Importa referir que, ainda que seja invocada com frequência a necessidade de garantir a autossuficiência alimentar do país, esta estratégia não se parece traduzir diretamente no acesso universal a uma nutrição adequada pela população, havendo défices crónicos de produção de alimentos fundamentais, como leguminosas, de baixo interesse económico.

Com base nesses dados, o Governo português deveria investir na redução do consumo de água, pensando em modos de produção alimentar que sejam mais adequados às condições ecológicas do território, em espécies e variedades mais adaptadas aos nossos solos e ao nosso clima, na procura de soluções mais eficientes de armazenamento de água, como a retenção de água no solo e a criação de charcos, na utilização de águas residuais tratadas e até no incentivo do consumo de produtos alimentares com menor pegada hídrica pelas comunidades urbanas, garantindo o acesso a um adequado provimento dietético.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A criação de novos empreendimentos hidroagrícolas é considerada uma medida necessária para minimizar os efeitos das alterações climáticas, nomeadamente para nos prevenirmos da seca e da escassez de água. No entanto, ecossistemas saudáveis são indispensáveis para a adaptação às alterações climáticas e os rios em bom estado ecológico desempenham um papel fundamental, enquanto refúgios climáticos e no equilíbrio dos ciclos de nutrientes e sedimentos, bem como na preservação da biodiversidade. A destruição de habitats e de biodiversidade, ribeirinhos e terrestres, que a construção destes empreendimentos acarreta, acaba por ser um fator que nos vai afetar negativamente, deteriorando a qualidade da água e expondo-nos ao aumento das variações sazonais provocadas pelas alterações climáticas. Por outro lado, ainda que o acesso a água pelo sector agrícola seja um requisito, importa referir que a principal ameaça à viabilidade económica de 90% das explorações do país, de dimensão inferior a 20 hectares, é a dificuldade em escoar a produção a preços considerados justos pelos produtores.

O Governo afirma que o “programa criará mais de 10 mil postos de trabalho permanentes, ajudando a fixar populações, criando riqueza e melhorando as condições de vida no interior”. Apesar desta declaração, a taxa de empregabilidade dos locais mais afetados pela expansão do regadio não tem vindo a aumentar, uma vez que os postos anunciados parecem ser ocupados quase exclusivamente por trabalhadores de fora das localidades, que se sujeitam a condições de trabalho pouco interessantes para as comunidades locais.

Em conclusão, levanta-se assim a questão sobre se será o Programa Nacional de Regadios um investimento devidamente estudado, na medida em que o desenvolvimento do setor, até à data, parece não bater certo com o objetivo inicial de desenvolver grande parte da agricultura e promover o desenvolvimento rural em Portugal.