“Georges!”, declarou António Nobre (1867-1900) com urgência, “anda ver meu paiz de marinheiros.” O convite ocorre no princípio da segunda parte de um dos melhores poemas portugueses do século XIX, “Luzitania no Bairro-Latino,” publicado em 1892. No poema, em três partes, descrever-se-á depois a partida de barcos para a pesca na Póvoa do Varzim e, finalmente, uma romaria ou procissão. Foi notado por apresentar numa série de quadros cheios de efeitos especiais sumptuosos as principais maravilhas de Portugal: surf and turf, e edifícios em ruínas.

Poemas e romances são um dos meios mais comuns usados por quem pretende interessar terceiros em maravilhas, geográficas, turísticas ou culturais. Se, como a maior parte das pessoas, nunca fomos à Póvoa de Varzim, nunca vimos uma duquesa ou um mineiro, ou nunca comemos arroz com favas, a literatura encarregar-se-á de nos informar como é. Depois de ler o poema de António Nobre achamos que ficamos melhor informados acerca dos assuntos de que trata. A literatura, acredita-se nos gabinetes, é como um guia turístico, um requerimento administrativo, ou um manual de história: um meio para tratar de outros assuntos, embora com frases às vezes longas ou difíceis.

Ora acontece que nesses livros usados tão prontamente como meios as coisas regra geral não são aquilo que parecem. O poema de António Nobre, por exemplo, começa na primeira parte por enumerar muitos pormenores da vida de António Nobre; mas só nessa primeira parte também pergunta nove vezes, a respeito dos ditos pormenores, “Onde estaes?” A pergunta é antiga na história da poesia, mas a insistência faz pensar. Será que essas coisas já desapareceram e por isso ninguém as pode ver? Ou nunca existiram? Nobre catalogou as várias causas dos desaparecimentos num verso e meio: “Morreram as vaccas, perdi as ovelhas, / Sairam-me os ladrões…”

É de desconfiar dos convites que os poetas nos fazem para ir ver maravilhas, e não apenas as da Póvoa de Varzim. Não é boa ideia levar a Ilíada quando se vai a Tróia; e o episódio conhecido do princípio da Bíblia não nos ajuda a identificar melhor macieiras, ou serpentes. António Nobre parece ter relutantemente chegado à conclusão de que a poesia é pouco eficaz quando se trata de fazer ver coisas. O seu grande poema fala com irritação notória daquilo que o autor não consegue bem mostrar, a começar por Portugal; acaba por concluir-se que não foi a melhor maneira de fazer propaganda da realidade.

Não é impossível que António Nobre tivesse motivos ulteriores para se fazer interessante ao misterioso Georges. Seja como for, nós, que não temos nada a ver com isso, não somos muito diferentes desse Georges obtuso. Afinal os escritores fazem-se sempre desesperadamente interessantes e prometem mostrar-nos muitas maravilhas; mas nós, que conseguimos sempre ver tantas coisas em poemas e romances, nunca conseguimos ver muito bem aquilo que eles nos querem mostrar.

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