Que os seus filhos sejam os mais bonitos, os mais inteligentes, aqueles que dizem as “gracinhas” mais arrebatadas e os que fazem os comentários mais a propósito, nós já sabíamos. Afinal, não há nada a fazer: as mães são mesmo assim! Agora, que haja uma espécie de playlist de mãe, que não é, de todo, como o calão dos adolescentes, mas que utiliza uma linguagem mais ou menos encriptada que todas as mães percebem já é quase um mistério. Afinal, como é que as mães chegam aqui?

Seja como for, há alguns termos desta playlist de mãe que, à medida que se escutam, se tornam mais compreensíveis. Vejamos alguns:

  • “O meu filho tem muita energia!” (que, nalguns momentos, é substituído por: “Ele tem pilhas da Duracell”): quer dizer que uma criança não só nunca se cansa como parece não dar a devida atenção às regras que a mãe reclama que ela tenha. Podendo, no caso de sentir a mãe um pouco mais enrubescida, terminar num desabafo do género “Mãezinha querida!” que faz com que se dê uma espécie de transferência de energia com a própria mãe. E que, feitas as contas, a distrai para tudo o mais que, até aí, ela exigia.
  • “O meu filho é muito sensível” (que corresponde à expressão, fora de moda: “É um coração de ouro!”): que, sem nunca sair dos limites da compostura, quer mesmo dizer que, considerando unicamente o tamanho do coração, a criança sai à mãe.
  • “O meu filho não gosta de ser contrariado”: que significa, com “tradução simultânea”: “Eu, por mim, contrariava-o mais vezes. Mas ele é tão bonito!…”. Fosse como fosse, se ele gostasse de ser contrariado o que é que não seria?…
  • “Ele é um líder!”: significa que ele manda nos colegas, manda na escola, manda no comando da televisão, manda na cama onde adormece e manda na ementa do jantar. Basicamente, manda. Que, por vezes, assume proporções faraónicas sempre que uma mãe acrescenta à ideia de líder… “nato”. Isto é, quando ela diz que ele nasceu para mandar. Que é uma espécie de reconhecimento que uma criança manda em toda a gente enquanto a mãe manda nele. Mas que, muito depressa, é capaz de correr mal.
  • “Não é por ser meu filho, mas (o diabo do miúdo) é muito inteligente!”: que acaba por ser o reconhecimento que é tal o deslumbramento com que as mães vêem os seus filhos a discorrer, que a maioria delas fica sem palavras, enquanto a pequenada “manda no jogo”. O sentido desta expressão encontra-se, também, na forma como algumas mães confidenciam que as educadoras dos filhos os acham “sobredotados”. Mas que elas até têm medo que seja verdade…
  • “O meu filho tem uma personalidade muito forte” (que é, em tudo, igual ao “É muito teimoso!”, de antigamente): que faz com que as mães cedam aos argumentos, às birras e aos amuos da criançada.

Esta expressão encontra uma versão um pouco mais minimalista no “Ele não aceita um não!”. Dito com uma aragem de “mal-agradecido”, difícil de entender pelas mães.

  • “Basta que fale com ele…”: corresponde ao “Faço dele o que eu quiser”, que leva a que as mães se envaideçam um bocadinho com a sua capacidade de persuasão. Mas que, há muito tempo, levava a algumas mães a reconhecer que os filhos faziam dela “gato e sapato”. Mas isso era há muito tempo…
  • “Nem imagina do que eu sou capaz quando me passo!” (que, por vezes, é substituída pela expressão: “Eu grito muito!…”): quer dizer que, a haver alguém numa casa que faça de sargentão, esse alguém é a mãe. O que, tendo os filhos uma alma cheia, isso só pode fazer com que os dias de todos eles acabam sempre numa algazarra. Mas sempre felizes!
  • “Se eu não me sentar ao lado dele, não faz nada…”: que significa “E quem é o bebé da mãe, quem é?…” que faz com que as crianças pareçam os sindicatos da função pública em relação aos direitos adquiridos. Isto é, leva-as a nunca reclamar autonomia quando as regalias premium são o que são.
  • “O meu filho, conheço eu!”: que, com alguma tradução quer dizer que não há ninguém, que aos olhos de uma mãe, rivalize com ela no conhecimento de um filho. Ou, mesmo que haja, é melhor que não se atreva.
  • “E, então, quando ele me diz que eu sou a melhor mamã de sempre?!…”: que é assim uma maneira de desabafar: “Haja alguém que me dê o valor que, modéstia à parte, eu acho que tenho”. Habitualmente, esta expressão surge acompanhada dum leve suspiro. E é tão enternecedora que nem parece vaidosa.

Do meu ponto de vista, há a língua materna, que (com mais ou menos atropelos à gramática) todos utilizamos; e a “língua de mãe”. Que parece ser mais um dialecto, também ele de raiz latina, que as mães usam. Que não se caracteriza por termos de compreensão difícil e que não faz uso de grandes variações fonéticas. E que, por isso, não é nem inacessível nem incompreensível. Mas que utiliza, amiúde, expressões enfáticas — muito generosas para com a metáfora, por exemplo — que as mães parecem dominar como mais ninguém, representando elas a quase totalidade dos nativos falantes desta “língua”.

A intenção com que a usam, ao que tudo indica, não será tanto de excluir as outras pessoas (como o pai) da vivacidade dos seus argumentos. Mas, mais, de se sentirem aconchegadas, umas com as outras, no seu amor de mãe. No entanto, a musicalidade e o entusiasmo com que a utilizam, faz dela uma espécie de playlist diante da qual, qual coro à cappella, é muito difícil não se gostar. E — estranho (muito estranho!) — fica no ouvido! E apetece escutar um pouco mais. Já quando se tenta reproduzir, é muito difícil acompanhar o tom, a forma como projectam a voz e o coração das mães quando correm todos estes termos. Talvez seja por isso que só mesmo elas a falem. Como ninguém.

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