Há uns tempos, fui surpreendido pela Nokia no seu regresso ao mercado. Esta estratégia da marca finlandesa deixa-me a pensar se é mais importante ter uma história ou fazer história.

A Nokia fez história. Devemos-lhe muito do que são atualmente as telecomunicações, mas a verdade é que depois de uma história de sucesso, primeiro com o Nokia 1001, que lembrava um tijolo, e mais tarde com o Nokia 3210 e a sua “cobrinha”, a marca não soube acompanhar a avalanche dos smartphones e as mudanças que o mercado sofreu. Ou seja, a Nokia confiou no seu know-how, na sua história, não respondeu aos desafios que o consumidor estava a colocar, ficou refém da sua liderança e pagou um preço por isso. Estávamos nos primeiros anos deste século.

Hoje, a marca tenta penetrar no “mercado do sentimento nostálgico” dos velhos donos de Nokias que se converteram aos telemóveis de nova geração. Terá sucesso? Em Portugal, e de acordo com dados da IDC, a liderança é disputada pela Samsung, Xiaomi, Apple, Oppo e TCL/Alcatel. E a Nokia? Não consta!

Enquanto isso, temos marcas como a Xiaomi, que nasceu como start-up em 2010 e é apontada como uma gigante dos smartphones baratos. Enquanto dava os primeiros passos, um dos fundadores – Lei Jun – explicou que ninguém acreditava na sua ideia de usar o “internet thinking” para criar smartphones e melhorar a perceção de produtos feitos na China. Passada pouco mais de uma década, sabemos que o sucesso da marca esteve sempre na equipa, nas pessoas que acompanharam os empreendedores e que tinham na bagagem experiência de trabalho em empresas como a Google, Microsoft, Motorola e outros gigantes.

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Em suma, as lideranças não se fazem sem pessoas, sem uma visão de futuro.

Se transportar estes dois exemplos de marcas para o que está a acontecer em Portugal ao nível de lideranças de alguns partidos políticos, podemos “espelhar e juntar” o caso Nokia e Xiaomi.

No PSD, partido regular na governação, o seu líder, Rui Rio, manifesta-se “bastante preocupado” com a decisão do Conselho Nacional de não adiar as eleições diretas. Tudo porque internamente há uma oposição ao líder composta por novos players – com bagagem e experiência de campo – que quer emergir, que sente ter força para levar o partido à governação. São políticos que o eleitor mal conhece mas que internamente já criaram facções e abalam o cacique político.

Olhando ainda o campo da política nacional, o caso do CDS-Partido Popular é ainda mais curioso, uma vez que estamos perante um partido onde a estratégia dos notáveis, dos históricos, quase levou o partido a sair de cena, passando de 18 deputados eleitos para 5. Poderia especular sobre os motivos, mas há dois que são evidentes: o partido não conseguiu criar no eleitorado a perceção, uma razão forte para nele votar. O eleitorado não reconheceu o trabalho feito na oposição.

Hoje, este histórico partido prepara-se para eleger um novo líder e a guerra interna já conta com algumas batalhas. Duas frentes se apresentam, de um lado, está um rosto do passado, cinzento e diria com alguma falta de visão política e, do outro, alguém que não há muito tempo foi reconhecido pela Forbes como um dos “30 jovens mais brilhantes, inovadores e influentes da Europa”, que foi eleito presidente do partido, apelidado de Chicão, e que tem vindo a colocar o CDS Partido Popular na agenda política, ainda que sem o apoio da bancada parlamentar eleita em nome do partido.

Enquanto dois dos partidos da direita estão em luta e têm duas gerações, duas visões distintas de estar na política e para a política a lutar pelo poder, o PCP continua igual a si próprio e, numa estratégia muito similar à Nokia, continua a acreditar que basta a história para vencer.

A noite eleitoral de 26 de setembro último demonstrou que a comunicação política falhou. Mas, política é comunicação e não há atividade ou ação política sem comunicação. Por isso, e sabendo que dois partidos políticos estão a ser chamados para decidir entre passado e futuro, é chegada a altura de os congressistas definirem se querem ter história ou fazer história.

A história já demonstrou que não há líderes adquiridos e que os desconhecidos, aqueles que não provêm de famílias tradicionais, podem ascender a líderes do partido, do governo e da nação. Falo de Cavaco Silva que, há quase 40 anos, chegou à Figueira da Foz para falar “olhos nos olhos” aos congressistas e, no dia seguinte, foi eleito presidente do PSD.

Na política, tal como nas marcas de consumo, é necessário alimentar o eleitor (consumidor) com ações (produtos) que respondem às suas necessidades, ao tempo atual. É necessário comunicar com dinamismo, com verdade, sem máscara, e sobretudo estar no terreno junto ao eleitor (tal como o produto que no linear fica na linha de visão do consumidor).

Tal como nas empresas, em política as lideranças não se fazem sem pessoas com a visão do futuro. Só assim é possível fazer história. Quem continuar a viver do passado, vai sempre comprometer o futuro.