1 António Costa já tinha prometido, em Abril de 2020,  acesso universal à internet e a equipamentos no próximo ano letivo. E já em 2016 tinha prometido médico de família para todos os Portugueses – imaginem, não cumpriu. A lista de promessas não cumpridas feitas por políticos é extensa, não é, naturalmente, um exclusivo de António Costa. Talvez eu tenha criado a ilusão de que não voltaríamos tão cedo a assistir a números políticos dignos dos anos 90, pelo menos vindos de políticos experientes e em cargos relevantes. Como para cada ilusão há uma desilusão, António Costa, na qualidade de líder do PS, fez questão, nas últimas semanas, de nos relembrar que é capaz de tudo.

Deixo aqui exemplos – não são novos, já toda a gente falou sobre eles, mas será bom relembrar alguns. António Costa anuncia 5% do PRR para a Madeira. Secretário-geral do PS reuniu os presidentes da Área Metropolitana de Lisboa e lembrou que existem 2750 milhões de euros para resolver os problemas de habitação do país. António Costa promete mais mil milhões de euros para os municípios. António Costa promete nova maternidade em Coimbra. António Costa promete duplicar fundos europeus destinados ao Algarve. António Costa promete não esquecer Penafiel e diz que IC35 vai ser uma realidade. Secretário-geral do PS promete financiar 20 mil postos de trabalho no interior. Costa promete mais condições para jovens emigrados que queiram regressar. António Costa promete dinheiros europeus para a ciência. António Costa promete mais 10 mil lugares de creche e apoios às famílias com mais filhos.

Incomoda-me que o líder de um grande partido como é o PS, e que também é chefe de Governo, ache normal, salutar, democrático e não-populista andar semanas a fio a percorrer o país inteiro, batendo a cada porta para anunciar o paraíso e dinheiro a rodos. Mas respeito que António Costa pense o contrário e que ache normal oferecer à instituição que é o Governo o papel de um vendedor de Calcitrin. Respeito essa opção, sim. Se a democracia fica bem servida com este tipo de comportamentos é outra conversa.

2 A vitória do PS nas autárquicas é incontornável, mesmo que o sentimento seja de derrota. Acontece o inverso no PSD. Antes disso, dois pontos que me parecem inegáveis: o PCP está em erosão progressiva, perdendo demasiado para o PS; o Bloco, ao fim de mais de 20 anos de existência, não consegue crescer nas autarquias, mantendo-se como um fenómeno urbano muito dependente da agenda mediática e que pouco acrescenta ao quotidiano dos Portugueses. Isto significa que o Bloco pode permanecer intocável em termos de posição para as legislativas, mas o PCP tem de começar a fazer outro tipo de contas. Pode ser impressão minha, desprovida de qualquer fundamento, mas fiquei com a sensação, depois das declarações de Jerónimo de Sousa no Domingo passado, de que os comunistas podem começar a agravar a sua contestação social através dos sindicatos que ainda dominam. Veremos o que aí vem, sendo certo que o PS pode continuar a dormir descansado: com mais ou menos contestação sindical, o precedente aberto em 2015 prendeu de tal forma os partidos à esquerda à missão de afastar definitivamente a direita do poder que será muito complicado alterar, à esquerda, esse compromisso. Não será pela esquerda que o PS cai.

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3 A direita não tem grandes razões para embandeirar em arco com os resultados eleitorais. É verdade que ganhou concelhos importantes, com Lisboa à cabeça. Mas pode tirar da ideia que está perante um cenário idêntico ao de 2001. Primeiro, porque o PS não teve uma hecatombe eleitoral, pelo contrário. Segundo, porque ficou claro que, ainda que haja, aqui e ali, a demonstração de alguma insatisfação com a forma como o PS gere as instituições (Lisboa e Coimbra são bons exemplos disso), a existência de uma vontade esmagadora de mudança governativa permanece tímida. Não quer dizer que não exista; quer dizer que não se revelará enquanto as pessoas não virem um projecto político suficientemente forte que as faça votar nele.

4 Antes de embandeirar em arco com o resultado de Lisboa, a direita devia parar para pensar. O total dos partidos da geringonça, na capital, equivale a mais de 120 mil votos. O total de PSD e CDS é de 83 mil votos. Mesmo que se lhes some o resultado da IL, a direita chega aos 93 mil. E no caso extremo de se lhes acrescentar o Chega, a direita toda somada vale em Lisboa 103 mil votos, praticamente menos 20 mil que a esquerda junta. Ou seja, num cenário em que, ao contrário do que acontece na eleição dos executivos municipais, a eleição fosse do tipo assembleia, Fernando Medina seria hoje presidente da Câmara Municipal.

E se olharmos para o total de votos do distrito de Lisboa, aquele que mais deputados elegerá em legislativas, percebemos que o PS sozinho continua a valer mais que PSD e CDS juntos. E que PSD, CDS, IL e Chega juntos valem menos 100 mil votos que PS, PCP e Bloco. Quero com isto dizer que a vitória cantada da direita nas autárquicas tem um razão de ser: ganhou câmaras importantes, teve resultados positivos inesperados, sim senhor. Mas é uma vitória mais aparente que real. Outra conclusão diferente desta apenas demonstrará que a direita tem um problema de auto-percepção grave.

5 O que é essencial para a reflexão que importa fazer à direita depois das eleições, é perceber, em primeiro lugar, que tem obrigatoriamente de corporizar uma alternativa política efectiva. Tem de ter a capacidade de entrar no campo da abstenção e do eleitor moderado que, à falta de alternativa melhor, até vota no PS. É a falta desse projecto que faz crescer o Chega e que dá fôlego à esquerda. Não sei, porém, se os partidos serão capazes de retirar as conclusões necessárias. O PSD, enquanto partido naturalmente liderante do centro-direita, tem essa responsabilidade, mas o caminho de degradação interna que tem seguido há mais de uma década não faz adivinhar nada de bom. Rui Rio, Paulo Rangel, Carlos Moedas, Luís Montenegro e seja quem mais for têm um dever de reflexão interna para fazer. O primeiro passo é reformar o partido. Se nenhum deles for capaz disso, as pessoas perceberão que também não saberão reformar o País. E aí sim, poderemos ter a certeza de que caímos no pântano anunciado em 2001. Esse pântano, de resto, já existe agora. A diferença é que, ao contrário de 2001, todos parecem satisfeitos dentro dele. Os próximos tempos servirão para percebermos com o que podemos contar.