1 É verdade que a história não se repete. Por mais profundos que sejam os círculos viciosos em que os países mergulham, há sempre nuances entre as crises que vão marcando a história de cada povo. Mas no caso português a nossa sina é a mesma desde há mais de 20 anos: perder competitividade e poder de compra face à média europeia.

Bem vistas as coisas, e contando com interregno da fase de 1987/1995 em que os governos de Cavaco Silva aproximaram os portugueses da Europa, a ideologia do pobrete mas alegrete do Estado Novo continua a ter muitos fãs entre a classe política do Portugal democrático. Pelo menos, é isso que os resultados económicos demonstram.

Olhe-se, por exemplo, para a evolução do PIB per capita em termos de paridade de poder de compra (rácio que retifica as diferenças de preços entres os diferentes países) — que pode ver aqui no site da Pordata. Se tivermos em conta a data de 1995 (início da série), a melhor posição que Portugal conseguiu foi apenas o 17.º lugar entre os 28 Estados-Membros da União Europeia na versão pré-Brexit. Entre 2003 e 2017, já foi ultrapassado pela Eslovénia (2003), República Checa (2007), Malta (2010), Estónia e Lituânia (2017). Também já foi ultrapassado pela Eslováquia (2012) mas trocou de posição com o país que nasceu da Checoslováquia em 2016.

Portugal está atualmente na 23.º posição mas, segundo cálculos do economista Abel Mateus (neste Ensaio publicado no Observador), arrisca-se a ser ultrapassado a breve trecho por Polónia, Hungria, Letónia e Roménia. Um processo que parece inevitável e que foi acelerado com a crise pandémica, visto que todos aqueles países não só vão cair menos do que Portugal, como vão ter uma recuperação mais rápida — muito porque dependem menos do turismo, como se pode ler nesta peça do Expresso.

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Repare-se só no seguinte: países como a Letónia, Lituânia e Estónia tinham cerca de metade da nossa riqueza em 1995. Nesse mesmo ano, Roménia tinha quase três vezes menos e a Hungria apenas 63% do PIB per capita português. O que aconteceu 24 anos depois? Os estónios e os lituanos têm mais poder de compra, os romenos estão apenas a 12% da nossa riqueza e os húngaros e os polacos vão ultrapassar-nos em breve.

Estes dados deviam fazer soar as campainhas vermelhas nos partidos que governaram o país desde o 25 de Abril (PS, PSD e CDS). Ou deviam fazer com que os candidatos presidenciais, nomeadamente Marcelo Rebelo de Sousa, falassem do tema. Mas a pandemia tudo tem deixado para segundo plano. Nada se discute, nada se debate além da crise pandémica e de outros assuntos da espuma do dia.

2 A grande questão que se coloca é simples: mantendo o atual modelo de desenvolvimento económico gasto, caduco, com um Estado obeso que suga os recursos económicos necessários às empresas e famílias por via do confisco fiscal, com um Estado omnipresente nos principais setores de atividade económica que faz a alegria dos políticos que sempre quiseram ser homens de negócios influentes, com uma economia pouco competitiva que não consegue pagar o Estado Social que os portugueses querem ter — com tudo isto, quanto tempo demorará até partilharmos com a Bulgária a posição do país mais pobre da União Europeia (UE)?

Se nada fizermos em breve, será um processo muito rápido. Os croatas, que entraram na UE em 2013, estão apenas a 18% do poder de compra dos portugueses e os búlgaros a 32,5%.

É por isso que temos de nos questionar: o que é que fizeram os países que já nos ultrapassaram ou estão prestes a ultrapassar? Que reformas levaram a cabo os países bálticos, que desde 1995 quintuplicaram (Estónia e Lituânia) e quadruplicaram (Letónia) o seu PIB per capital? Como é que o gigante adormecido que dá pelo nome de Polónia (um país com a escala da Espanha) ou a Hungria (um país com a mesa escala de Portugal) têm tido taxas de crescimento claramente superiores às portuguesas?

Lamento desiludir mas os mais altos níveis de escolaridades não explicam tudo. É verdade, como o Expresso recordou aqui, que a percentagem da população com, pelo menos, ensino secundário é apenas de 52% — contra quase o dobro nos países de leste, com exceção da Roménia. Mas mesmos os romenos têm uma percentagem superior à nossa.

3 Há outras explicações claras que passam por uma muito maior competividade fiscal. Seja a nível de IRC, de IRS, de IVA ou de qualquer outro imposto estruturante, Portugal só parece ser competitivo em atrair os reformados, prometendo-lhes (e cumprindo) um el dorado fiscal que irrita os países mais ricos. Para os residentes em Portugal, a política é outra: os rendimentos do trabalho são taxados em média em 41% — valor que sobe para os 47% se considerarmos o IVA, segundo o economista Abel Mateus. A média da OCDE é de 36%

Os países bálticos, como a Estónia, realizaram uma profunda reforma fiscal que lhes permitiu aplicar uma taxa única de 20% sobre o IRS, isentando os salários até 500 euros. Mas fizeram muito mais: baixaram igualmente a taxa de IRC, isentaram os lucros obtidos no estrangeiro por empresas nacionais e reduziram muito significativamente os impostos sobre a propriedade.

Tudo isto para atrair investimento direto estrangeiro — uma matéria que Portugal precisa da mão para a boca devido à descapitalização das nossas empresas e banca — e construir um ambiente muito mais friendly para os investidores e para o setor privado. Com tudo o que isso significa em termos de legislação para atrair investimento, como a laboral, e para combater a tradicional burocracia.

4 Esta não é uma receita milagrosa mas certamente que são soluções que têm mais hipóteses de sucesso do que aquelas que temos vindo a aplicar nos últimos anos. Aliás, com o Governo de António Costa fizemos totalmente o contrário — e com um orgulho que tem tanto de teimoso como de ineficiente.

Mal tomou posse, o Executivo socialista fez questão de reverter as privatizações da TAP, do Metro de Lisboa, da Carris e dos STCP, rasgou o acordo que tinha sido feito entre PSD e PS para baixar o IRC para níveis competitivos e aumentou significativamente a carga fiscal sobre a economia, entre outras medidas. Acresce a tudo isto um Governo que depende politicamente da extrema-esquerda do PCP e do Bloco de Esquerda — com tudo o que isso representa em termos de obstaculização de qualquer reforma digna desse nome.

Tudo isto afugentou ainda mais os investidores internacionais que, com a exceção do imobiliário, pouco capital têm aplicado no nosso país no setor secundário, por exemplo, para combatermos a nossa dependência do turismo. E sem investimento direto estrangeiro nunca sairemos da cepa torta. É por isso que António Costa reza para que a bazuca europeia chegue a Portugal o mais depressa possível.

Deste Governo, confesso, não espero nada. Este é um Executivo marcado pela política de devolução do rendimento aos funcionários públicos mas que nada fez em termos de reformas estruturais que para conseguir construir um futuro economicamente sustentável para todos os portugueses.

Vamos ter a vacina contra a Covid-19 já em janeiro, a economia vai finamente arrebitar a partir do 2.º ou do 3.º trimestre de 2021 mas algo me diz que, a continuar tudo como até aqui, continuaremos a ser pobretes e alegretes nos próximos longos anos.

Um Feliz Natal em segurança para todos os leitores.

Texto alterado às 9h45