Quando um antigo político afirma que “fiz mal em ir para o Governo. Perdi uma fortuna incalculável”, é irresistível questionar então porque aceitou, sendo certo e sabido, que não existe nenhuma conscrição, que obrigue um cidadão a pertencer a um governo contra o seu interesse ou vontade.

Bem ao invés, são numerosos os casos em que cidadãos independentes ou filiados em partidos, recusaram os honrosos convites para integrarem executivos, porque a condição económica nas suas profissões, os encargos financeiros e familiares já assumidos, o estilo de vida a que se habituaram, não lhes permitia viver exclusivamente com o rendimento atribuído a um membro do governo. Embora nestas recusas reine normalmente a reserva e discrição, muitas delas vieram ao conhecimento público. Já era assim durante a ditadura de Salazar e não se alterou depois da democracia.

E também são conhecidos casos, em que cidadãos que integraram governos, notoriamente foram prejudicados nos seus rendimentos, por terem aceitado os cargos por razões que têm a ver com as suas ideologias ou opção de vida. A maioria nunca se veio queixar publicamente dessa opção, talvez por antever o ridículo de tal lamúria.

Nas situações em que a condição económica do convidado para integrar o Governo não seria assim tão dispare para mais, do rendimento que iria auferir como ministro, então a pertença a um governo até lhe pode – uma vez abandonadas as funções sem escândalos à mistura- valer um bom convite para um cargo empresarial bem remunerado. Nesses casos e são muitos, a passagem pelo governo acabou por ser um modo mais rápido de subir na vida. Nesta situação os exemplos são muitíssimos e também mais uma vez, era assim durante a ditadura de Salazar e não se alterou depois da democracia.

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Até aqui tudo normal. O que constitui novidade, pelo menos com conhecimento público recente, é a acumulação do melhor de dois mundos. Aceitar integrar um governo e auferir rendimentos de entidades privadas, paralelos ao exercício da função governamental.

Em primeiro lugar as funções governativas são legalmente exercidas em regime de exclusividade. Em segundo lugar o exercício destas funções confere ao titular um poder discricionário – mesmo dentro dos limites da legalidade dum estado de direito- éticamente incompatível com qualquer ligação, muito menos remunerada, com entidades com as quais anteriormente trabalhou. Claro que um médico cirurgião, a título de mero exemplo, que vá integrar um governo, não perdeu o direito de receber os honorários das cirurgias que efectou antes de integrar o governo e que ainda não lhe haviam sido pagas. Mas claro, terá de as ter facturado antes de integrar o executivo e deve fazer constar o recebimento na sua declaração de rendimentos em território nacional. Se for acionista duma entidade privada pode continuar a receber dividendos ou continuar a receber rendas se for senhorio. O que não pode é a ser gerente ou administrador dessas entidades.

Todas estas limitações, que incidem sobre quem aceita integrar um governo ou cargos públicos similares para estes efeitos, tornam praticamente impossível, sair dessas funções com algum acréscimo patrimonial em relação ao que possuía quando as aceitou, salvo se ganhar a lotaria durante a permanência no cargo, já que apostar nos jogos da Santa Casa não está proibido aos membros do governo.

Acontece que o número de antigos governantes, alguns casos mais públicos que outros, que sai dos governos com sinais exteriores de riqueza inteiramente desproporcionados em relação ao que tinham antes (alguns afirmam que já eram ricos, mas de facto não eram e a mentira tem perna curta)  apesar de patrimonialmente não terem bens registados em seu nome, mas que são realmente propriedade sua através de offshores, de familiares ou generosos amigos,  fará corar de inveja alguns dos mais tradicionais trapaceiros e sobretudo, faz os restantes portugueses sentir que estão a fazer figura de palermas.

Tal como não poderemos ter o SNS a tratar eternamente e apenas o COVID, também não é viável que o Ministério Público continue a gastar boa parte do seu tempo e recursos a processar políticos desonestos.

No combate a qualquer tipo de crime, a medida mais eficaz é sempre a prevenção. A incompetência de um governante afecta pontualmente quem foi objecto dos seus disparates e pode sempre ser substituído. Um político desonesto, afecta as instituições, a confiança geral no Estado e no regime democrático. É bem diferente para pior.

Seja António Costa ou Rui Rio o próximo primeiro-ministro, por favor, não convidem mais gente desta para o governo.