A pobreza discursiva da atual ministra da Saúde reflete a sua reconhecida ausência biográfica de produção de pensamento em políticas de saúde. Esta é, aliás, uma triste condição crónica a que o SNS tem sido condenado em ano de eleições. Em contexto eleitoralista é de esperar, portanto, que o atual governo faça esforços para manipular o debate no setor da saúde, que uma certa oposição efetiva (PSD e CDS) procure explorar polémicas oportunistas e que a oposição fingida (PCP e BE) posicione o discurso nos alegados “valores”. A reforma do SNS desapareceu da agenda. Na verdade, já nenhum dos partidos do poder fala em reformar o SNS. Porquê? Vejo duas explicações possíveis. Por um lado, nenhum partido do Poder (PSD, PS, BE, CDS) quer correr o risco de não saber explicar aos eleitores os efeitos das suas propostas. Por outro lado, porque nenhum destes partidos pretende afrontar os poderosos interesses económicos do setor, de base internacional e de entre os quais o setor privado prestador de serviços de saúde até é o menos poderoso, paradoxalmente à demagogia reinante.

Ainda assim, numa perspetiva internacional e técnica, vejamos alguns dos temas com que as políticas de saúde terão que lidar, nos próximos meses e anos.

  1. Gestão e negociação da dívida e resolução dos pagamentos em atraso à indústria farmacêutica; um desafio enfrentado sobretudo em vários países que combinam um consumo irracional e excessivo de fármacos com a total dependência externa na importação de medicamentos, incluindo de genéricos;
  2. Incentivos à adoção da inovação nas tecnologias de diagnóstico, saúde digital, telesaúde (um conceito subdesenvolvido em Portugal e, erradamente, confundido com telemedicina), novas tecnologias de controlo de quadros clínicos crónicos (sobretudo diabetes, apneia, colesterol, cancro da mama), novos protocolos clínicos pós-cirúrgicos, novas tecnologias de intervenção genética ou a mais recente inovação associada à monitorização centralizada e externalizada de doentes internados em hospitais;
  3. Novas técnicas de intervenção clínica de grande impacto nos sistemas de saúde (que se distinguem do ponto anterior pelo efeito de mudança sistémica radical) incluindo monitorização genética, equipamentos de realidade virtual aplicada, estimulação magnética aplicada e, claro, a utilização multivariada de células estaminais;
  4. A criação de “micro-hospitais”, ou o regresso à lógica do “small is beautiful” na gestão hospitalar, que facilita a adaptação dos serviços às necessidades locais e, por consequência, promove a anulação de modelo dos grandes Agrupamentos hospitalares, adotado em Portugal, que não conseguiu demonstrar mais-valias ou ganhos de eficiência significativos.
  5. Estabelecimento e implementação de Estratégias nacionais e regionais de combate à fraude; tendo este fenómeno sido estimado em custos anuais que podem atingir até 30% da despesa em saúde, esta intervenção política é, atualmente, prioritária.
  6. A revisão das políticas de financiamento e a adoção de incentivos fiscais à inovação, competitividade e internacionalização dos prestadores de cuidados de saúde;

De uma forma geral, estas são algumas tendências e soluções adotadas internacionalmente. Não devemos, porém, ter grandes expetativas que estas prioridades sejam adotados pelos atuais conselheiros para a saúde ativos nos vários quadrantes do limitado espetro partidário nacional. Não as entendem nem são convenientes para a demagogia eleitoral, dada a sua complexidade técnica. Ainda assim, o debate independente, fora dos partidos, deve prosseguir na sociedade civil procurando gerar movimentos de pressão para a modernização do SNS e contrariar a falta de transparência nas políticas de saúde em Portugal. Por isso, em tempos de fraude generalizada no discurso sobre o SNS, divulgar a verdade é um ato revolucionário, conforme antecipou Orwell. Assim faremos, se nos for permitido.

Editor científico em Gestão e Políticas de Saúde internacionais

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