A prova de que a popularidade mediática do actual governo se mantém, apesar das suas ininterruptas tribulações compensadas pela sua bem oleada máquina propagandística, é que as férias decorreram com o habitual alheamento político e a promessa de uma abstenção maciça nas próximas eleições autárquicas. Basta recordar que, na última votação para a Câmara de Lisboa, 55% do eleitorado se absteve e António Costa foi eleito com pouco mais de 20% dos inscritos, menos do que quatro anos antes. Em suma, é como se o governo e os seus aliados não merecessem apoio especial mas as oposições também não estimulassem a opinião pública.

Com efeito, a rigidez e a linguagem do sistema partidário nacional estão completamente desfasados da evolução da realidade social e económica do país desde a consolidação do parlamentarismo! Convém, pois, fazer um ponto de situação realista. No que diz respeito às autárquicas, repetir-se-á a falsa impressão de estabilidade fornecida por um sistema fossilizado de interesses e interesseiros. De pouco ou nada servirão os “embelezamentos” de última hora, particularmente visíveis em Lisboa, com a pouca ou nenhuma melhoria que se verifica e os muitos inconvenientes para a população. Não serão pois as eleições de 1 de Outubro que afectarão a vida do país, o que não seria o caso se fosse submetida a votos uma “regionalização” que o PS quer fazer à socapa.

Aquilo que afectará o país, isso sim, será a evolução de situações como aquela que acaba de atingir a Autoeuropa. É bom não esquecer que estamos a falar do maior investimento industrial estrangeiro feito em Portugal desde o tempo em que Cavaco Silva era primeiro-ministro. É uma das empresas com maior contribuição para as exportações industriais – depois de a fábrica de semi-condutores Qimonda ter sido atingida pelas mudanças de 1974 — e com grande capacidade de arrastamento da produção industrial regional. Se e quando a fábrica da Volkswagen fechasse ou reduzisse a actividade, isso seria o maior golpe sofrido pelo sector industrial em décadas!

Ora, é isso que o PCP se arrisca a provocar para tentar retomar o controlo partidário que a antiga Comissão de Trabalhadores tinha na Autoeuropa até ao lançamento de um novo modelo que, segundo a direcção da empresa, exigirá um forte agravamento do regime de trabalho. E é certo que as compensações monetárias não são alternativa para todas as conquistas históricas da classe operária ocidental em matéria laboral. De um lado, temos a necessidade em que a multinacional se encontra de competir à escala global e, do outro, os antigos direitos que a CGTP diz defender. O governo tem pouca ou nenhuma margem de manobra. O certo, porém, é que, além das perdas que já estão a afectar a empresa, este regresso da dura lei capitalista não só divide o PS e os seus aliados num ponto-chave de muito difícil conciliação, como se arrisca a agravar o rating da dívida portuguesa, para não falar do abanão que poderá vir a dar à situação económica e financeira do país! Alianças como aquela que o PS fez para tomar o poder – legal, mas politicamente ilegítima – nunca garantirão a estabilidade exigida para competir na UE.

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Daqui, a enorme fragilidade em que se baseia a súbita bonança desenvolvimentista de que a “geringonça” tem beneficiado à trela da conjuntura mundial, nomeadamente da Espanha. É pura ilusão pensar que será o turismo a garantir tal bonança, já que a sua contribuição para o desenvolvimento sustentado foi sempre misérrima, pois o turismo não puxa por nenhum sector produtivo qualificado: nem a própria construção civil, quanto mais a hotelaria e a restauração, para não falar das baixas qualificações do emprego turístico. Sempre assim foi e sempre se soube que, numa economia como a nossa, o aumento do turismo é imediatamente acompanhado pelo aumento das importações!

Por sua vez, a sustentação do consumo interno através do aumento do emprego, desconsiderando as necessidades e as competências efectivas dos novos empregados, nomeadamente no sector público, bem como o impacto nas pensões futuras perante o envelhecimento da população, mais não são do que remeter os problemas de hoje para as gerações – e os governos – futuros. Quanto a um bónus como a prometida redução do IRS a milhão e meio de agregados domésticos, bem como a garantia de emprego permanente para bolseiros e precários, mais não são do que demagogia em época eleiçoeira!

Nenhuma destas políticas constituirá as bases sólidas desse crescimento sustentado que tem sido prometido ao país. Pessoalmente, não sou dos que crêem que António Costa e os seus compagnons de route nos andam a vender uma “austeridade” disfarçada em “altas taxas de crescimento”. Nem uma coisa nem outra. Penso, sim, que este Verão que temos estado a viver em Portugal apenas assinala a incapacidade absoluta de fórmulas governamentais como a actual para fazer as reformas políticas e administrativas indispensáveis para evitar que tudo conduza, mais tarde ou mais cedo, a uma nova turbulência financeira. Se não, veremos!