O governo espanhol formado no início deste ano, após três eleições sucessivas ganhas sem maioria pelo Partido Socialista (PSOE), imitou a «geringonça» portuguesa chamando ao poder os «populistas» do Podemos de origem latino-americana, com os quais o PSOE receara até então coligar-se. Apesar de ambos terem perdido votos nas últimas eleições, o líder socialista preferiu fazer um governo minoritário e sujeitar-se à abstenção de uma parte dos independentistas catalães em troca da promessa de negociações, do que formar um governo maioritário de «bloco central» com o PP capaz de enfrentar a questão catalã…

Enquanto as negociações não começam, Sánchez fez um governo à moda do PS: múltiplos ministérios com nomes sonoros; tantas ministras como ministros; uma enxurrada de promessas sociais; e para acabar uma eutanásia impingida à força a dois países de fundo católico e pouca propensão para o suicídio… As semelhanças acabam, porém, aqui. Em primeiro lugar, porque frente a esta «esquerda» há em Espanha uma «direita» de dimensões consideráveis e, em segundo, porque a cada concessão do governo aos «independentistas», o PSOE e o Podemos perderão inevitavelmente votos!

Se a geringonça portuguesa, que continua de pedra e cal como se viu com o orçamento, não é a melhor fórmula para fazer funcionar a economia nem para responder às crises sociais acumuladas que o governo pretende varrer para baixo do tapete, desde a justiça à educação e do envelhecimento à saúde; se assim é, a situação política espanhola nada tem contudo que ver com a nossa. Não serão, portanto, as macaquices esquerdizantes de uma e outra geringonça que resolverão o gigantesco problema constitucional que o PSOE deixou acumular não só na Catalunha como no próprio País Basco, igualmente representado por abstenção na coligação governamental.

Acresce que os sucessivos erros cometidos pelo PP perante a irrupção independentista de uma parte considerável da população da Catalunha – perto de metade continua a votar nos partidos separatistas – já não são reparáveis, sobretudo por parte do PSOE e, por maioria de razão, pelo Podemos, cujo objectivo é fomentar o chamado internacionalismo anti-capitalista… Desde logo, não será o aumento do salário mínimo nem muito menos as alegadas preocupações ambientais da esquerda governamental que entreterão os eleitores espanhóis, incluindo os catalanistas, do mesmo modo que não é provável que o governo vizinho reponha a água do Tejo nem desligue a corrente eléctrica das centrais atómicas. Ou o PS está à espera disso para oferecer aos eleitores portugueses?

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Com efeito, se é certo que a situação da Espanha não é comparável à portuguesa, em contrapartida é igualmente certo que a fórmula populista adoptada por ambos os governos ibéricos actuais não só está muito aquém dos problemas reais de cada um deles como essa fórmula escamoteia a verdade política. O populismo reside, precisamente, em substituir as políticas efectivas pela retórica ideológica em que os socialistas se especializaram na senda de populistas como o Podemos, o BE e o próprio PCP actual. Ao mesmo tempo, governos como o português ainda há dias pedinchava mais dinheiro dos fundos europeus a fim de levar os eleitores a acreditar que a chave dos nossos problemas está na Europa e não em casa de cada um: é a língua bífida dos «amigos da coesão» a falar!

Por mais que estes populismos de novo tipo procurem criar inimigos externos a fim de desviar os olhos dos seus constituintes da incapacidade dos governos nacionais para desenvolver políticas efectivas dentro do quadro europeu, ao ponto de criarem a ficção de que a UE e as condicionantes internacionais são as responsáveis pelos nossos problemas, em especial os portugueses, é indiscutível que a configuração da crise espanhola é estritamente sua, tanto assim que nem sequer a situação criada à Escócia pelo Brexit se lhe pode comparar.

Independentemente de boas e más intenções de uns e de outros, no caso espanhol é impossível afastar os riscos que a memória da guerra civil traz obrigatoriamente consigo, desde logo porque o nacionalismo das regiões históricas, concretamente o País Basco e a Catalunha, estiveram entre os principais factores bélicos. Dirimir esse conflito latente nunca será fácil e, como é evidente, as vitórias que um campo possa obter serão vividas como outras tantas derrotas pelo outro campo. Designar esses campos como «direita» e «esquerda» é uma facilidade que nada resolverá e só agravará o conflito. A única dimensão em que tal conflito se pode resolver é a Espanha no seu conjunto. Uma vez mais, substituir a política pela ideologia e a prudência pelo populismo será a pior coisa. Até aqui, não se viu o que fará o PSOE e muito menos o Podemos. Resta saber como reagirão os partidos independentistas. A única certeza é ninguém querer voltar oitenta e tal anos atrás!