Era uma vez. Nos últimos anos, enquanto mãe e professora, fui percebendo que estas três singelas palavras embarcam em si um indesvendável poder. Tal como se, ao serem pronunciadas, tivessem a capacidade de acionar uma série de engrenagens e estas, por sua vez, fossem capazes de despertar e direcionar a atenção das crianças.

Sei que resulta com os mais novos, mesmo que por escassos minutos. Estarei a ser ambiciosa demais ao acreditar que pode ter o mesmo efeito com os adultos? Vale a pena tentar.

Era uma vez um país onde se falava a língua de Camões. As crianças eram livres, podiam ir à escola e isso deixava-as imensamente felizes. Numa pequena e recôndita aldeia, havia uma sala de aula que, à primeira vista, parecia igual a tantas outras. Mas tinha uma peculiaridade: lá dentro, respiravam-se livros. A culpa era, sobretudo, da professora! Adorava contar histórias aos seus alunos. No meio de tantos contos e recontos, as crianças foram ficando tão apaixonadas que, no final do dia, levavam essa paixão na mochila e, aos poucos, contagiaram os seus pais. E foi dessas partilhas que cresceu, em cada um, o amor pela literatura.

Partindo do pressuposto de que consegui a vossa atenção, quero fazer-vos um apelo tão básico quanto fundamental: por favor, leiam histórias aos vossos filhos!

Já devem ter lido e ouvido isso vezes sem conta. Eu também. Mas foram os meus alunos que me foram provando que era realmente essencial. Era ainda muito nova quando entrei, pela primeira vez, numa sala de aula. Levava comigo uma mochila carregada de energia, de motivação e de vontade de ensinar e aprender. Mas também carregava uma enorme quantidade de dúvidas e de receios. O maior deles era saber como é que iria superar o desafio de ensinar aquelas crianças a ler. O que elas me foram ensinando é simples: para que aprendessem a ler (bem) era necessário criar nelas o gosto pela leitura.

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Sempre li muitas histórias aos meus alunos. E sempre vi neles um olhar cintilante de quem se delicia com o que está a ouvir e de quem tenta adivinhar o que vai acontecer a seguir. O espelho disso são as conquistas que vão fazendo: nasce uma vontade de ler uma palavra, depois uma frase e finalmente um texto; surge uma capacidade de inventar histórias que parece quase inata; desponta o desejo de escrever… E, sem darmos conta, conseguimos criar pequenos (grandes) leitores.

Na sua grande maioria, as crianças estão ávidas de saber. São curiosas por natureza e extremamente criativas. Cabe-nos a nós, pais e professores, potenciar essas características usando as estratégias que estão ao nosso alcance. Recordo-me, por exemplo, de marcar um encontro online com os meus alunos para lhes contar uma história antes de adormecerem. Adoraram. Dias mais tarde, ao ajudá-los a escrever a carta ao Pai Natal, um deles pediu “o livro que a minha professora me leu”. Haverá melhor presente para um professor?

Leiam histórias aos vossos filhos. Não estarei a contar-vos nenhuma novidade ao dizer-vos que esses meros cinco minutos do vosso dia não se traduzirão apenas num gesto de amor, mas irão estreitar laços e ajudar a fortalecer o vínculo familiar. Além disso, o hábito de ler histórias aos mais novos estimula o seu desenvolvimento cerebral e potencia várias áreas da aprendizagem.

Primeiro, melhora a compreensão e concentração. Contar histórias aos nossos filhos parece uma solução tão fácil para ajudar a resolver este problema que até chegamos a duvidar que seja exequível. Mas é mesmo. Não nos esqueçamos que os estímulos que recebem as crianças do século XXI são completamente distintos daqueles que existiam nas gerações que nasceram antes da era dos telemóveis e dos tablets. Agora, tudo lhes é apresentado de uma forma mais rápida, mais automática, mais imediata. Essa fugacidade contrasta com a própria realidade que tem um ritmo bem mais lento e essa dicotomia deixa as crianças insatisfeitas e até frustradas. Por outro lado, é sabido que o uso excessivo da tecnologia pode provocar problemas no desenvolvimento das crianças a vários níveis. Larry Rosen, um dos autores do livro The Distracted Mind, alerta-nos para um dos perigos mais visíveis: a redução da capacidade de concentração.

Segundo, fomenta o gosto pela leitura. Ler é uma porta aberta para novos mundos, novos conhecimentos. É um estímulo constante à nossa criatividade, ao nosso pensamento, ao nosso desenvolvimento. Numa altura em que tanto se fala de “Escola do Futuro”, é importante não nos deixarmos ludibriar pelos benefícios conseguidos com a introdução das novas tecnologias nas salas de aula. Eles são reais, mas não anulam a relevância nem a singularidade de atividades tão nobres como a leitura. É o próprio Bill Gates que nos diz: “Os meus filhos terão computadores, sim, mas antes disso terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever – inclusive a sua própria história”. Para que o gosto pela leitura não passe a fazer parte dos nossos livros de História, como se de um capítulo do Passado se tratasse, é importante ensinarmos aos mais jovens que ler pode traduzir-se num verdadeiro prazer. Para que gostem de manusear livros, saborear as suas páginas, deliciar-se com o som e o cheiro das folhas, há uma receita que raramente falha: dar-lhes o nosso exemplo. É importante que as crianças nos vejam ler, nos oiçam ler (para elas).

Terceiro, desenvolve a linguagem e o vocabulário. Os primeiros anos da vida de uma criança são fulcrais no que diz respeito ao desenvolvimento da linguagem e das competências comunicativas. John S. Hutton explica, num dos seus artigos da revista TIME, que o ato de ler histórias a crianças pequenas faz com que sejam ativadas determinadas áreas do cérebro diretamente relacionadas com a aprendizagem da linguagem, assumindo, por isso, uma extrema importância no processo de desenvolvimento. Além disso, ao ser confrontadas desde cedo com uma grande panóplia lexical, as crianças irão ampliar o seu leque de vocabulário.

Quarto, estimula a criatividade e a imaginação. A capacidade de sonhar e imaginar é algo inato nas crianças mais pequenas. Ao lermos histórias em voz alta para os nossos filhos, estamos a estimular o uso da sua imaginação para explorar personagens, lugares ou acontecimentos que vão sendo relatados por nós e adivinhados por eles. Dilia Escalante e Reina Caldera afirmam que a literatura para a infância tem a função de estimular a imaginação, permitindo que a criança defina a sua personalidade e a sua cultura. Ao proporcionarmos este contacto com os livros aos mais novos, estamos a contribuir para que consigam pensar e agir de forma criativa e isso irá trazer benefícios evidentes ao longo do seu percurso escolar e, mais tarde, profissional.

Quinto, acalma. Como resultado da agitação e do ritmo frenético do dia-a-dia dos nossos filhos, é cada vez mais comum encontrarmos crianças que sofrem de ansiedade e stresse. A quantidade de estímulos, informações e solicitações a que são expostas diariamente repercute-se na inevitável falta de tempo para fazerem tarefas tão básicas como brincarem livremente ou, simplesmente, pararem para pensar calmamente. No seu Elogio da Lentidão, Lamberto Maffei alerta-nos para o facto de vivermos numa espécie de “estado doentio de hiperatividade”. Num mundo dominado pela velocidade e efemeridade, o autor recorda-nos o quão importante é respeitarmos o tempo e combatermos a celeridade desmedida. Ao introduzirmos o hábito de ler histórias aos nossos filhos iremos ajudá-los a ter um momento de paz, de retorno à calma. Serão mais facilmente vencidos pelo sono e conseguirão descansar de forma saudável.

Poderia continuar a enumerar mais uma série de vantagens para vos convencer de que é realmente importante lerem histórias aos vossos filhos. Mas prefiro rematar o texto com uma citação de Albert Einstein: “Se quiser que os seus filhos sejam inteligentes, leia-lhes contos de fadas. Se quiser que sejam ainda mais inteligentes, leia-lhes mais contos de fadas.”

Lídia Aguiar é professora do 1.º Ciclo e autora do canal de YouTube “A professora explica!”. Finalista Menção Honrosa “Adaptação e Inovação no Ensino a Distância” do Global Teacher Prize Portugal 2020.

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.