É inegável, Greta Thunberg, do alto dos seus 16 anos, mexeu com as estruturas de muita gente adulta. Um estranho incômodo, quase jamais visto, que se iniciou silencioso, até que alguns dos incomodados esbarraram nos outros e, vendo-se apoiados, ganharam coragem para berrar impropérios frente a uma menina.

O mais curioso é que, para pessoas que costumam olhar para as coisas com um pragmatismo considerável, a situação mudou. Pessoas que não têm dificuldade nenhuma em classificar as coisas em boas ou más, em certas ou erradas, neste caso, começaram a olhar para farpas, detalhes, rebarbas ou para qualquer outra coisa que lhes legitime a raiva.

Subtraem-lhe o lugar de fala com os argumentos mais estapafúrdios: é uma nórdica privilegiada, nunca sofreu verdadeiramente com as alterações climáticas, é jovem demais para saber qualquer coisa, faz lanches apetitosos dentro de um vagão de trem, deveria era estar na escola estudando, está sendo financiada por grupos privados, ou por governos, ou por lobby, ou por alienígenas que pretendem nos roubar a terra. De repente, qualquer argumento vale.

A verdade é que Greta representa muitas coisas que deixam algumas pessoas apavoradas. Ela é uma garota jovem e corajosa. Isso, por si só, já seria suficiente. Ser mulher e jovem e, mesmo nesse cenário pouco favorável, ser corajosa, é algo que deixa milhares de homens adultos praticamente furiosos. “Imagine se minha filha também resolve ser assim?”. As coisas não podem sair do controle.

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Greta representa, também, o diferente, o inesperado, o fora do padrão. Para muitos, tudo o que sai de um certo “padrão de normalidade”, é, efetivamente, um incômodo profundo. Os incomodados, se tivessem coragem, gritariam “Como você ousa? Como você ousa desviar do padrão e, ainda assim, ser ouvida? Ser ainda mais ouvida do que eu, que sou tão inteligente e capaz?”

Greta evidencia, sem constrangimento, o quão burro é o nosso sistema, as nossas regras e a esmagadora maioria dos nossos governantes. Greta, acima de tudo, simboliza a necessidade de mudança. E esse é o ponto que mais apavora os incomodados: ter que mudar. Porque todos nós temos nossos hábitos tóxicos e destrutivos. E não estamos propriamente com vontade de abrir mão das nossas pequenas-grandes regalias. Mas vai ser necessário. E todo mundo que tem algum bom senso sabe bem disso.

Mas os furiosos “anti Greta”, não. Não estão dispostos a repensar sua paixão por carros e pela queima de combustíveis fósseis. Não estão dispostos a reduzir a duração de seus confortáveis banhos de inverno. Não estão dispostos a reduzir o consumo de carne vermelha, nem de plástico, nem de nada. Preferem berrar agressões a uma menina da idade de suas filhas- quiçá, netas- a ter a humildade de repensar seus comportamentos.

Como disse um amigo meu, esses indivíduos estariam mais contentes se Greta estivesse na sua mesa de escola, silenciosa e invisível, enquanto eles permaneceriam na ignorância de seus confortos e privilégios. A mensagem de Greta, ainda que atravessando caminhos complexos, é muito simples: ou mudamos de comportamento ou essas crianças pagarão pelos nossos atos.  A responsabilidade é nossa, a conta é nossa. Mas toda vez que uma conta é apresentada, o que não falta é gente escandalizada, gritando que não tem nada a ver com isso.