Há anos que não via meu irmão tão inflamado por causa do Flamengo. Ele, sempre ponderado, dessa vez não consegue se conter. E eu, torcedora do São Paulo desde que nasci, confesso estar quase tão ansiosa quanto ele para a final da Libertadores, da qual o São Paulo passou longe. É impossível não torcer pelo Flamengo de Jesus (ok, talvez se eu fosse vascaína o cenário mudasse).

Li um artigo na Folha de São Paulo, do jornalista Mathias Alencastro, em que ele compara Jesus a Mourinho, dizendo que Jesus ainda representa a raiz de Portugal e do futebol, enquanto Mourinho, assim como tantos outros, representa uma elite- tanto do país quanto do esporte- excessivamente preocupada com a própria imagem e já muito distante das vozes da arquibancada.

Realmente é um contraponto curioso. Mas, nesse texto, eu não venho falar de Mourinho. Venho falar de Jorge Jesus e da avassaladora paixão que surgiu entre ele e os torcedores brasileiros, não só do Flamengo, mas também de muitos outros clubes. Por que isso aconteceu? Trata-se apenas do reconhecimento derivado de quase 15 partidas sem derrotas? Ou há algo a mais envolvido?

O futebol brasileiro é muito, muito diferente do europeu. Lá se vão 5 anos que estou em Portugal e ainda não consegui nutrir pelo futebol europeu a mesma paixão que tenho pelo futebol latino americano. Sem dúvidas a qualidade do futebol na Europa é mais alta, há mais tática e mais rigor, há um comportamento mais profissional por parte dos jogadores e treinadores e, em geral, estruturas mais preparadas para receber as competições. Mas é exatamente por isso que não consigo sentir aqui a mesma emoção que sinto num campeonato brasileiro ou numa taça Libertadores.

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Há, de fato, um certo amadorismo e, por vezes, até uma certa precariedade no futebol latino americano. Mesmo que muitas equipes brasileiras rendam mais dinheiro do que certas equipes europeias, seguimos assistindo a jogos com brigas, imprevistos, sinalizadores, cachorros invadindo os gramados, torcidas enlouquecidas e sem regras nas arquibancadas, além de um calendário insano. Não, não é o ideal. Mas é absolutamente apaixonante.

Li, em algum lugar, que “o brasileiro é um português livre”. Não sei se concordo integralmente, mas não deixa de ser um tanto quanto real. Abraçamos mais, gritamos mais — na vida e no futebol. Esse cenário de improviso e informalidade, acaba por ser ideal para uma figura como Jorge Jesus, que parece nunca ter se adaptado bem ao rigor e à pompa que se instalaram no futebol europeu.

Brasileiros, em geral, nutrem afeto gratuito pelos portugueses. É a memória do avô, do tio, do dono da padaria. Sim, o português simples, batalhador, que trabalha duro tanto quanto resmunga alto. Não conhecemos bem o português engravatado, bem sucedido, bonitão, de nome tradicional. Esses nunca chegaram até nós. Mas adoramos a simplicidade da cerveja e do tremoço que unem Brasil e Portugal em frente a uma boa partida de futebol.

Jorge Jesus é exatamente o tipo de português que o Brasil adora. E talvez o Brasil seja o cenário no qual Jorge Jesus finalmente sinta que não deve nada a ninguém. Em Portugal, primeiramente querem saber sua origem, se você pertence a uma família tradicional ou não, se estudou nas melhores escolas ou não. No Brasil ninguém quer saber disso. Somos todos filhos de imigrantes. Nascer na Amadora ou em Alvalade? Ninguém liga. Ser Jesus ou Chapalimaud? Ninguém liga. Ser filho do Sr.Virgolino ou do Dr. Melo de Vasconcelos? Ninguém liga.

Jorge Jesus e o Brasil são um encontro. E, para quem ama futebol, para quem ama o Brasil e ama Portugal, é impossível não celebrar. É impossível não torcer. Desde que me entendo por gente, nunca perdi uma final da libertadores. Minha enteada, uma portuguesinha de 9 anos, ao assistir a final entre Boca e River em 2018 comigo, logo entendeu que aquilo era especial. Mas confesso que, para essa final de 2019, até data de voo eu alterei. Há quem não entenda. Mas há quem entenda perfeitamente. Boa sorte, Mister. A torcida pelo Flamengo está maior do que nunca.