“[Cavaco Silva] ganhou eleições, tornando-se uma mais-valia para o PSD, fez campanhas eleitorais com sucesso, obteve duas maiorias, o que não foi pequena façanha (…). A couraça de um político — a sua resistência e perdurabilidade — é muito importante. Percebeu isso. Fez as suas classes na escola da democracia e foi um bom aluno. Será, porventura, pretensioso dizer isto, mas julgo que terá aprendido alguma coisa comigo…” 

Mário Soares in “Soares, O Presidente”, Maria João Avillez (1997)

1 Das muitas qualidades que Mário Soares tinha (e que mereciam e merecem a minha admiração), a humildade não era claramente uma delas. Pelo contrário, em alguns momentos tinha uma tendência para a altivez, nomeadamente sempre que falava sobre Aníbal Cavaco Silva. Como demonstra, aliás, a citação que abre este texto.

As razões de Soares não eram propriamente as mais racionais e derivavam essencialmente de preconceitos sobre a educação que um político deveria ter tido e Cavaco não teve. Ou porque não tinha lido a literatura certa, ou porque não era capaz de citar um poema. Ou porque era arrogante, frio e distante e não tinha a empatia de Soares. Ou porque não tinha frequentado os círculos sociais certos. Ou porque nunca apaparicou jornalistas ou agentes culturais. Ou porque nasceu na província algarvia e não naquele já célebre circuito lisboeta do pequeníssimo mundo (também ele provinciano à sua maneira) de Mário Soares, Jorge Sampaio, António Costa, Ferro Rodrigues e tantos outros. Ou porque simplesmente usava meias brancas nos 80. Tudo sempre serviu a Soares e à esquerda para, com a ajuda preciosa do “Independente” de Paulo Portas, atacarem Cavaco.

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Essa altivez, esse quase sentimento de superioridade de Soares sobre Cavaco, tem sido fielmente seguido ao longo dos anos pelas diferentes gerações de socialistas mas também pela extrema-esquerda — que, coitados, julgam-se sempre superiores a todos os que não viram a luz do marxismo.

E é essa altivez jacobina socialista misturada com uma espécie de direito natural próprio das monarquias que determina que o PS e a extrema-esquerda sempre tenham tido muitos problemas em compreender o fenómeno de popularidade de Cavaco Silva.

2 Cavaco é, juntamente com Soares, o político mais votado da democracia portuguesa — um facto que os socialistas, comunistas e bloquistas recusam-se a aceitar e fingem, como aquelas crianças amuadas, que não corresponde à realidade e que não aconteceu.

Infelizmente para aqueles que se julgam donos da democracia, Cavaco Silva conseguiu um total acumulado de 12,4 milhões de votos em cinco vitórias eleitorais entre as legislativas de 1985 a 1995 e entre as presidenciais entre 2006 e 2011. Não há nenhum político português que tenha ganho tantas eleições regulares.

E Soares só teve ligeiramente mais votos (cerca de 200 mil votos, num total de 12,6 milhões de votos acumulados) porque teve duas voltas eleitorais nas presidenciais de 1986 e só teve as mesmas cinco vitórias se juntarmos as eleições para a Assembleia Constituinte de 1975 onde o PS foi o partido mais votado.

Das cinco vitórias de Cavaco Silva, quatro foram conseguidas com mais de 50% dos votos, sendo que duas delas resultaram em duas maiorias absolutas. Ou seja, mais de metade dos eleitores preferiram sempre Cavaco Silva a qualquer outro candidato. Numa das maiorias absolutas, depois do PRD de Eanes ter cometido o hara-kiri mais extraordinário da história da democracia portuguesa com o apoio do PS e dos comunistas em versão APU, o PSD de Cavaco conseguiu 2,8 milhões de votos e 148 assentos parlamentares. Até hoje é um recorde absoluto da democracia parlamentar portuguesa.

Mesmo depois do desgaste de 10 anos de poder consecutivo, Cavaco lutou com Sampaio até ao fim nas presidenciais de 1996 e conseguiu mesmo assim quase 2,6 milhões de votos e 46,09% dos votos. António Costa que tente apresentar uma candidatura a Belém em 2026 para ver se consegue melhor…

3 E o que fez Cavaco Silva com as vitórias eleitorais, nomeadamente nas legislativas? Transformou o país, reformando todos os setores fundamentais da sociedade, aumentando a competitividade da economia e das empresas e promovendo um muito significativo aumento de poder de compra dos cidadãos.

Fez, portanto, aquilo que é o principal objetivo da política como ação transformadora em prol do bem estar dos cidadãos como demonstra o crescimento médio anual acima dos 4%, a quadruplicação do PIB per capita e a baixa estrutura de uma inflação que desceu de 20% em 1985 para 4,2% para 1995.

Mais importante do que tudo: o país que hoje conhecemos como um membro de pleno direito da União Europeia começou a ser construído de forma integrada em todas as áreas no período do cavaquismo. Muitas das leis estruturantes que ainda hoje marcam a governação foram feitas no período entre 1985/1995.

É por tudo isto que Cavaco Silva é, de facto, o líder histórico do PSD e de todo o espaço do centro-direita — muito mais do que Francisco Sá Carneiro que tem uma importância histórica relevante mas que não teve tempo para mostrar resultados como aqueles que Cavaco conseguiu.

E é por tudo isto que o PS tem medo, muito medo do impacto que o Presidente Cavaco tem nos eleitores — impacto esse que se repete sempre que Cavaco fala, como aconteceu no passado recente.

Porque é o político que mais eleições ganhou em Portugal e é aquele que mais votos recolheu. Porque é o líder histórico do centro-direita, capaz de o unir para as próximas batalhas eleitorais. E, acima de tudo, porque sempre fala, é ouvido pelo país. E isso é o que verdadeiramente preocupa o PS.

4 A segunda grande razão para os socialistas reagirem com a sua habitual irritação, incómodo e arrogância prende-se com o impacto da sua mensagem. O Presidente Cavaco interpretou corretamente o sentimento do país face ao espetáculo verdadeiramente dantesco a que temos assistido nas últimas semanas.

É é isso que o PS também receia. Porque, sejamos honestos, onde é que Cavaco Silva faltou à verdade? Foi duríssimo, sem sombra de dúvida.

Mas é falso que a “juventude qualificada e inovadora” esteja “em fuga para o estrangeiro”? Não corresponde à verdade que um “Estado enorme e ineficiente” esteja a ser alimentado por um “nível de impostos demasiado elevado para o nosso nível de desenvolvimento”, que tenhamos uma “pequena taxa de poupança”?

Não foi rigoroso quando disse, na prática, que o caso Galamba corresponde a um nível tão baixo em termos de “populismo”, de “hipocrisia”, de escassa “competência”, de “ética política” e de “desprezo pelos interesses nacionais”? Fora os militantes e fanáticos socialistas, haverá algum português que pense algo positivo do caso Galamba?

Ou quando diz que o Governo do PS é “especialista na mentira e na propaganda política”, basta lembrar novamente o caso Galamba para perceber as contradições em que António Costa, João Galamba e Catarina Sarmento e Castro já incorreram nas última semanas?

E, mesmo só para terminar, basta fazer este pequeno exercício teórico. Imagine-se que no Governo de Cavaco Silva, Durão Barroso, Santana Lopes ou Passos Coelho um gabinete inteiro ministerial andava à pancada em plenas instalações públicas, que os serviços de informações eram ativados para ameaçar e coagir um cidadão a altas horas da noite e que o primeiro-ministro, especialista em sacudir a água do capote, estava de férias e não atendia o telefone?

Alguém consegue imaginar o que faria o PS e a extrema-esquerda? Acreditem que fariam muito mais do que o centro-direita tem feito. E o PS ainda teria o seu líder histórico a utilizar adjetivos ainda mais fortes do que aqueles que foram utilizados por Cavaco Silva.

5 Aliás, basta recordar apenas um episódio de Mário Soares – e acredite, caro leitor, que haveria muitos outros episódios para contar devido à atividade política intensíssima que Soares (legitimamente) teve até aos seus últimos dias.

Basta recordar, como a jornalista Ângela Silva recordou no Expresso, o manifesto que Mário Soares promoveu ativamente contra o Governo de Passos Coelho em novembro de 2012. Eram “70 personalidades”, com Soares à cabeça, mas que incluíam essencialmente socialistas, bloquistas e outras figuras da esquerda político-cultural.

Um ano e pouco depois do PS de José Sócrates ter levado o país para a bancarrota e ter sido obrigado a chamar a troika, o mesmo Mário Soares que tinha pressionado Sócrates a pedir em 2011 um empréstimo de urgência ao FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu era o mesmo Mário Soares que promovia cartas abertas contra o Governo por Passos Coelho estar “a levar o país para o abismo”.

Pior: um ano e pouco depois do Executivo PSD/CDS começar o trabalho de levantar o país do buraco em que o PS de Sócrates (sempre apoiado por Soares, mesmo quando foi preso preventivamente por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais) o colocou, Soares e muitos outros socialistas pediam a Passos Coelho que retirasse “as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão”.

É preciso de ter cara de pau! Aliás, é preciso os socialistas terem dupla cara de pau:

  • para então pedirem a demissão de um Governo que estava a trabalhar para recuperar a credibilidade que o país perdeu com os socialistas — objetivo que foi alcançado com a saída limpa, refira-se;
  • e para hoje acusarem Cavaco Silva de postura “anti-democrática”, “raiva”, “ódio”, entre outros mimos próprios de reações emocionais do que propriamente de uma reação política racional e fundamentada.

E é por tudo isto que, uma vez mais, Cavaco tem razão por antecipação: a “hipocrisia” política é uma especialidade dos socialistas.

6 Há ainda um último ponto relevante que assusta o PS — e refiro-me aqui aos elogios rasgados que Cavaco Silva teceu a Luís Montenegro. Austero e frio no uso da palavra, não é costume ouvir do Presidente Cavaco palavras como aquelas que foram dirigidas a Montenegro.

Mesmo que Cavaco Silva tenha sido factual, ao dizer que Montenegro tem mais experiência política (leia-se mais anos em cargos políticos) do que ele próprio tinha quando chegou a presidente do PSD em 1985, a mensagem subjacente é a mais importante: Luís Montenegro é o líder do PSD que vai ganhar as próximas eleições legislativas.

Essa mensagem, essa validação do líder histórico do centro-direita mata qualquer espécie de divisão interna que ainda persista no PSD e, até mesmo, no espaço ideológico da direita sobre a figura de Luís Montenegro. É verdade que Cavaco fez questão de recordar, e bem, a figura de Passos Coelho mas o presente do PSD é claramente Montenegro.

A mensagem clara de Cavaco vai ter um efeito imediato: o PSD vai estar unido em redor da figura de Luís Montenegro. E isso também assusta o PS — que, por seu lado, está cada vez mais dividido e prestes a entrar numa balcanização entre pedro nunistas e todos os outros istas que se formarem após a saída de António Costa do poder.