“A vida humana é inviolável.” É desta forma aparentemente simples e ao mesmo tempo exaustivamente esclarecedora que a Constituição Portuguesa consagra no seu artigo 24.º no capítulo “Direitos, liberdades e garantias pessoais”, a vida como um direito absoluto. Repare-se que não existe no artigo elemento algum que constitua uma qualquer exceção a esta “lei”, pelo que o princípio deverá manter-se sob quaisquer circunstâncias ou intenções.

Pese embora as diversas propostas de lei a votos no próximo dia 20 prevejam uma vontade reiterada do doente que requere a morte medicamente assistida, este requisito prevê em si mesmo uma razão para a rejeição destas mesmas propostas. A vontade humana tem por base um desejo, um sentimento que será mais ou menos momentâneo, mas irremediavelmente passível de alteração. Por esta razão, não será concebível que perante este desejo apresentemos uma solução irreversível e definitiva. A título de exemplo, em Oregon, um dos poucos estados americanos em que a eutanásia é legal, cerca de 36% das pessoas que pediram a eutanásia, e a quem foi receitada a dose letal, optaram por não terminar o processo, acabando por morrer por causas naturais.

Por sua vez, transversal a todos os projetos de lei, é apresentado o pressuposto de “sofrimento insuportável” que é por definição um princípio subjetivo. A terminologia usada permite, posteriormente, uma extrapolação mais ou menos inocente. O referido “sofrimento” não é necessariamente físico, o que deixará dependente das diferentes sensibilidades dos profissionais de saúde intervenientes no processo a resposta ao pedido de eutanásia feito. Além disso, cada indivíduo apresenta uma diferente tolerância à dor, o que contribui para um critério bastante permeável e inadmissível dado o motivo do debate.

O relatório da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) relativo ao ano de 2018 atesta a carência de cuidados paliativos em Portugal. Partindo deste facto, parece-me preocupante a inversão de prioridades a que subtilmente nos incitam e à qual não poderemos ser alheios para que tenhamos uma posição devidamente informada e esclarecida sobre a matéria. Assim, ao invés de em primeira instância tentarmos colmatar a grande carência de cuidados paliativos que o nosso país atravessa, estaríamos a escolher um caminho mais fácil e economicamente mais viável. Ao despenalizarmos a eutanásia permitiríamos que um doente que se encontre em estado crítico pudesse não ter acesso a uma rede de cuidados necessária e que o Estado tem por obrigação e princípio providenciar, mas cuja única opção fosse, nestes casos, a morte medicamente assistida. Será isto liberdade? Não, isto não é liberdade.

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Usemos todos os eufemismos que quisermos, a morte medicamente assistida é o ato de matar alguém, é o ato de tirar a vida a alguém. Para qualquer profissional de saúde cuja missão privilegiada é a promoção da saúde, este ato levantará sempre um conflito direto com o propósito e finalidade últimos da sua profissão. À semelhança do que acontece noutros países, como é o caso da Holanda, que assistiu a uma deterioração da perceção que os pacientes têm da sua relação com o médico após a legalização da eutanásia, de facto, a relação médico-paciente como a conhecemos atualmente em Portugal poderá ficar comprometida ao fim de alguns anos numa cultura em que a eutanásia é permitida.

O debate atual centra-se sobretudo na premissa de que a despenalização da eutanásia criaria relativamente a uma cultura que não coloca a vida humana no topo das prioridades. Ao aprovar-se a despenalização da eutanásia, faríamos parte de uma sociedade que ao invés de cuidar e assistir com compaixão e amor aqueles que mais precisam, preferia descartar, banalizando a morte e relativizando a vida. Assim, previsivelmente assistiríamos a médio prazo a uma normalização da eutanásia levando a uma crescente liberalização e flexibilidade no que aos seus requisitos diz respeito. Atentemos concretamente no caso da Holanda, cuja despenalização da eutanásia começou com leis bastante similares às propostas atualmente em Portugal, mas que cinco anos após a sua aprovação viu o número de casos aumentar 15% a cada ano. Atualmente, já 4% das mortes neste país resulta de morte assistida.

Sendo um tema do campo da bioética serão sempre as nossas mais profundas convicções, num primeiro momento, a razão para sermos favoráveis ou não a uma matéria desta natureza. Consciente deste facto, os argumentos apresentados levam-me a crer, num segundo momento, por que sou contra a despenalização da eutanásia. Quero viver numa sociedade em que nunca, em circunstância alguma, desistimos do doente, mas, pelo contrário, somos solidários na sua luta e lhe damos todo o apoio até ao último momento.