A fórmula “Portugal ao Centro”, que Rui Rio utilizou para renovar a liderança do PSD, em 2019, tinha tudo para estar cheia de significado e de conteúdo para a galvanização do partido junto da sociedade. O centro político, tantas vezes confundido com o “bloco central”, pode não ter hoje o apelo dos actores políticos, mas ainda é onde a maioria dos portugueses se revê e os resultados das presidenciais comprovam-no.

Ao contrário do tal “bloco central”, mera formulação para representar o cinismo de quem não acredita em nada a não ser no capitalismo de Estado-partidário e no ajuste directo, o centrismo é a casa dos Portugueses – e é a casa da democracia.

É no centrismo que vive o confronto, mas também a moderação. É nele que vive a polarização aceitável, a liberdade em comunhão com a igualdade, a prudência por oposição ao progressismo, a iniciativa privada ao lado do Estado Social, é ali que reside o Estado de Direito, a transparência, a robustez das instituições que salvaguardam a democracia.

O centro político foi severamente degradado durante anos pelos partidos que nele conviveram. Pelas falências financeiras, pela corrupção, pela partidarização da administração pública, pelas promessas incumpridas, pelos negócios por explicar, pela protecção que os partidos sempre dão aos seus enquanto exigem a cabeça de outros. O seu eleitorado está nos 50% de abstenção, nos mais de 120 mil votos dispersos por partidos como o RIR, o MPT, o Aliança, o Juntos Pelo Povo, o Nós Cidadãos ou o PDR, e nos milhares de votos nulos e brancos. Está no somatório dos resultados eleitorais de Marcelo Rebelo de Sousa, Tiago Mayan Gonçalves, Ana Gomes e Vitorino Silva.

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O povo centrista, que ambiciona mudanças e reformas, abandonou o PS em 2011, depois da bancarrota. Desde essa altura que mais de um milhão de portugueses não voltaram a depositar o seu voto no PS, um partido que todos reconhecem ter um problema grave com a corrupção, que nunca reconheceu a sua culpa nos actos falhados do passado, que nunca afastou quem devia afastar da sua liderança e que chega ao limite de os promover.

O centro não é, ao contrário do que se diz, o espaço em que o PS vive sozinho. O PS não vive no centro – vive num emaranhado oligárquico, no domínio do aparelho do Estado e nos negócios com os privados. E os eleitores sabem disso. Só que lhe faltam alternativas.

O PSD podia ser esse “Portugal ao Centro”, mas o PSD também não vive no centro político. Vive noutro mundo qualquer. Talvez o maior drama de todos seja o facto de o PSD, depois de anos a destruir a fama e o proveito de ser um “partido de quadros”, nacional e interclassista, se ter tornado numa agremiação de pequenos senhores feudais, presididos por um sujeito ao calhas – neste momento, Rui Rio e depois dele outro – e sem capacidade de apresentar ao país o mais leve esboço de uma estratégia que explique como pretende, se é que pretende, tirar este sítio de uma crise que dura há 25 anos. O que é que pretende fazer, que ideias tem que mostrem às pessoas que elas podem viver melhor e ter um futuro mais risonho à frente. Que fale aos funcionários públicos, aos reformados, aos subsidiodependentes, aos profissionais liberais, aos trabalhadores independentes, aos pequenos empregadores, a uma geração que olha para a frente e não vê futuro algum.

Para governar à vista já nos basta o PS. O que nos resta politicamente é esse vazio do centro reformador. E é o pior dos nossos problemas. É preciso resolvê-lo.

O que falta, arrisco dizer, é um partido, um movimento federador de partidos e de personalidades, que, situando-se no centro moderado, apresente uma estratégia ao país e não mostre apenas dominar tácticas político-partidárias. Algo que não seja socialista, comunista nem fascista. Nem populista, nem reaccionário, nem racista. Que tenha sensibilidade quando aborda os problemas das pessoas, sejam elas quem forem, e que não fale apenas para os seus iguais. Que acolha o cosmopolitismo sem esquecer os que não são cosmopolitas. Que tenha na liberdade um valor essencial, mas que saiba que esse valor não existe sem outros. Que seja económica e financeiramente lúcido e responsável, mas que não queira apenas saber de economia e que tenha noutros temas bandeiras essenciais. Que dignifique a família, mas que não julgue que a família é apenas o que alguns pensam que a família é. Que não acolha tudo, que não se encolha todo. Que tenha na Europa um valor a defender, mas que não se conforme com a burocracia de rosto desconhecido. Que tenha na vida um valor essencial. Que conheça o país inteiro, que conheça as pessoas, que as ouça e lhes mostre um caminho. Um partido popular mas não populista. Que exija aos seus eleitos o dever e o fazer. Que perceba que o financiamento partidário serve a democracia e deve servir o Estado e não os próprios partidos. Que não seja uma empresa de interessados. Que defenda legislação que comprometa, potencialmente, os seus próprios interesses partidários, mas que defenda os interesses do Estado e dos contribuintes. Que seja duro com os prevaricadores da sua cor para que o possa ser com os das outras cores partidárias. Um partido da democracia liberal. Que seja feito de povo, pelo povo e para o povo, e que tenha elites não sendo elitista. Que reconheça que o sistema eleitoral deve servir os eleitores e não os militantes dos partidos. Que não seja um ajuntamento de instalados do sistema, mas que também tenha caras que o país merecidamente reconhece – e não apenas que apenas o seu partido reconhece. Que veja nas eleições um meio e não um fim. Um partido que não seja um centro de emprego, que viva distante da máquina do Estado. Que perceba que o mundo mudou. Que não ache que a vida das pessoas se resolve exclusivamente com o empreendedorismo, mas que saiba que também não se resolve com o Estado a tudo financiar. Que tenha uma agenda social que não condene as pessoas à dependência perpétua da esmola, que saiba que as pessoas que mais precisam merecem ser apoiadas financeiramente, mas que também merecem sair de uma vez da condição de pobreza. Que se bata por menos impostos, mas que saiba que os impostos fazem falta. Que traga gente nova e que não precisa da política para nada. Que não ache que gente nova é gente que anda nisto há vinte anos mas que nunca mandou. Que seja um motor de federação das forças não estatistas. Que perceba que o mérito é importante, mas que há quem precise de um empurrão. Que não nascemos todos privilegiados, mas que também não somos todos uns incapazes.

Reformadores, democratas, defensores da Liberdade; social-democratas, conservadores, liberais, democratas-cristãos; todos aqueles que estiverem fartos do caminho oligárquico do regime mas que recusem, sem reservas, os cantos de sereia dos radicalismos, têm hoje o dever de fazer alguma coisa. É tempo de dar forma e conteúdo a um novo centro.