O debate sobre o “suplemento de missão” para polícias, agentes da GNR e guardas prisionais correu mal e saiu torto a André Ventura, saldando-se numa votação que foi um fiasco para o Chega e deixou o partido isolado no hemiciclo de S. Bento.

Pelo “andar da carruagem” percebia-se que a surpresa teria sido o contrário do que aconteceu. Aumentaram os decibéis nas intervenções de Ventura, mas falharam na eficácia. Desde as eleições Europeias, o Chega entrou em perda, e o tom desabrido do seu líder convence cada vez menos, incluindo, muito provavelmente, os próprios “activistas” das forças de segurança, que devem estar a cismar que mais “vale um pássaro na mão do que dois a voar” ….

E, como Luís Montenegro se antecipou ao debate, garantindo, peremptório, que o governo não poria “nem mais um cêntimo” em cima da proposta para o tal “suplemento”, Ventura ainda logrou encher as galerias do parlamento de agentes à paisana, mas gorou-se a mobilização “inorgânica” para as escadarias de S. Bento, atiçada pelos canais do costume.

Derrotadas as propostas do Chega — “recicladas” com várias versões e contradições –, Ventura obteve uma espécie de “prémio de consolação” com a coreográfica saída em grupo dos policias das galerias e a promessa dos porta-vozes no exterior de “continuarem a luta”, mas as declarações foram frouxas e circunstanciais.

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A rábula do punhado de cêntimos do peditório nas forças de segurança, exibida freneticamente num boião por Ventura no debate parlamentar, foi… para lamentar.

O desejado espectáculo não subiu a cena e prevaleceu o bom senso. Reconheça-se, todavia, que na sua saga antissistema, Ventura imita bem os truques da extrema esquerda e com maior sonoridade.

Talvez por isso, o PS dá sinais de incómodo, e procura desvalorizar e distanciar-se do facto de ter o Chega à ilharga a viabilizar as suas propostas emblemáticas, desde a abolição das portagens nas SCUTs  aos escalões do IRS, enquanto Ventura aparenta, também, estar a “mudar a agulha”, como se viu na Madeira, cuja estrutura regional deixou passar o  segundo  programa do governo regional, aprovado por uma “unha negra”, graças à abstenção de três dos seus deputados.

Ventura que se cuide e não desdenhe o facto de Pedro Nuno Santos já admitir votar, favoravelmente, o próximo Orçamento de Estado “se não for ignorado pelo governo”. Um “convite à valsa”

Como Ventura costuma ser “mais rápido do que a própria sombra” a intuir as evidências — seguindo os ensinamentos do famoso cowboy Lucky Luke da banda desenhada –, talvez dispense o desenho para perceber que os ventos, às vezes, mudam de direcção… e podem infligir uma derrocada histórica, como a dos Conservadores no Reino Unido.

Os Trabalhistas “reconstruídos”… e “recentrados”, após a purga efectuada por Keir Starmer no radicalismo herdado de Jeremy Corbyn, mudaram profundamente o xadrez da política britânica, em contraciclo face ao avanço da direita no velho Continente.

Já a adesão apressada do Chega ao novo agrupamento político de Viktor Orban, Patriotas pela Europa, no parlamento de Estrasburgo, afastando-se da família política à qual pertencia, coloca-o na órbita de um admirador de Putin, visitante recente do Kremlin, desautorizado pela liderança da NATO e do Conselho Europeu, que não o considerou mandatado para falar em nome da União, cuja presidência rotativa ocupa de momento.

O que não mudou por cá foi o modelo de sindicalismo, desfocado das realidades por culpa própria e que tem vindo a perder terreno. Politizou-se, o que nem sequer é novidade, e, amiúde, em vez de defender os interesses dos trabalhadores representados, limita-se a seguir uma agenda partidária.

Não faltam exemplos, designadamente, nos professores, que toleram um líder da FENPROF, que deixou de exercer há décadas e se profissionalizou no protesto, e, mais recentemente, nas polícias, que têm dado sinais de alarmante amnésia quanto às obrigações a que estão sujeitos no quadro das forças de segurança.

Aliás, tanto polícias, como professores ou médicos e enfermeiros, têm deveres especiais para com a comunidade, o que implica serem ainda mais responsáveis, até pelo potencial reivindicativo de que dispõem.

Em abril de 2016, a CGTP admitia ter perdido, em menos de um lustre, quase 64 mil associados, embora em 2020 a central sindical se regozijasse por ter invertido a tendência de queda, ao apagar as velas no cinquentenário.

A outra central sindical, a UGT, não esteve melhor, e em abril de 2022, quando mudou de líder, somava perdas superiores a 40 mil associados, comparativamente com 2013, em parte devido ao emagrecimento do emprego no sector financeiro.

Se a CGTP é apontada, logo na sua génese, como “correia de transmissão” do PCP, ou o seu o “braço sindical”, também a UGT nunca disfarçou uma relação estreita com a esquerda socialista.

Na Carris de Lisboa, por exemplo, é conhecida essa influência partidária, nem sequer dissimulada.

Quando Fernando Medina presidia à Câmara, era normal participar em eventos promovidos pela secção do partido, nos quais anunciava a contratação de mais pessoal, não deixando de mencionar que esperava que viessem a ser “trabalhadores do PS e da secção do PS da Carris”.

O autarca dizia isto, com um descarado à-vontade, num vídeo registado em 2019, divulgado mais tarde. E não consta que, desde então, o tenha desmentido ou que a situação tenha mudado.

Apesar destes episódios, é obvia, ainda, a supremacia da CGTP, que parece ter despertado, entretanto, para a natureza da sua verdadeira obediência, através de uma carta subscrita há dias, por quatro dezenas de antigos membros da comissão executiva e do Conselho Nacional, que ousaram contestar “o domínio e controlo” do PCP na central sindical, defendendo que esta recupere, com urgência, a sua “autonomia” que, em boa verdade, nunca existiu.

O sindicalismo comunista talvez não queira ser arrastado pelo afundamento do PCP e da sua fraca liderança.

O uso e abuso da greve e de outras paralisações — que deveria ser apenas um último recurso — tem vindo a descaracterizar o movimento sindical e a desmobilizar os associados.

Nesse abuso sobressaíram, principalmente, o funcionalismo publico e o pessoal afecto às empresas do Estado, com vantagem dos professores, no primeiro caso, e dos colaboradores da CP, no segundo. Verdadeiros recordistas.

Em fevereiro de 2023, a TSF noticiava no seu site que “trabalhadores da CP e professores são os que mais protestam”. E assim continuaram, lesando com indiferença  gerações de alunos das escolas públicas, e provocando incontáveis prejuízos nos utentes dos comboios.

A contestação dos polícias, mais recente e com outra lógica, tem crescido “paredes meias“  com o ineditismo de estar encostada à  direita mais radical.

Neste caso, porém, o “pecado original” coube, por inteiro, ao governo de António Costa que, sem se entender porquê, resolveu atribuir, em novembro do ano passado, um “suplemento de missão” na Judiciária, pelo exercício de funções “em condições de risco, insalubridade e penosidade”, sem ter em conta a situação das demais forças de segurança e até de militares, que poderiam invocar a mesma legitimidade.

A decisão isolada de privilegiar a PJ, já com Costa nas despedidas, deu azo ao sarilho que se sabe e que sobrou para Luís Montenegro e para o governo da AD, agitando as forças de segurança, unidas no descontentamento.

Convirá ressalvar, no entanto, que quer na Judiciária quer nas forças de segurança, haverá nuances e diferenças na percepção do risco, embora o risco… seja a sua profissão.

Afinal, quem escolhe ser profissional na Judiciária, nas demais polícias ou na GNR, sabe que está a ingressar numa actividade  de risco, pelo que o “suplemento de missão” tem o seu quê de redundante. Como quem se alista nas Forças Armadas ou se integra no  corpo da guarda prisional .

É evidente que estes profissionais têm todo o direito de   pugnar por melhores condições de vida e de trabalho. Mas nunca em nome dos “riscos”, que são “ossos do seu oficio”. Um agente da PSP ou da GNR não são “mangas de alpaca” circunscritos a tarefas de secretaria, embora também as desempenhem. Tal como os agentes da PJ ou os guardas prisionais.

O “equívoco” cometido com a Judiciária, foi o rastilho para incendiar as demais forças de segurança, cujo aumento do “suplemento de missão” pesará nas contas publicas.

E daí a hipocrisia de Pedro Nuno Santos que, em vez de secundar o governo, por este não querer pôr em causa as “contas certas” — tão propagandeadas pelo PS –, ainda acusa Montenegro de “um fracasso da capacidade de chegar a acordo”, como se fosse por avareza ou capricho não  ceder às exigências das associações sindicais, empoladas  pelo Chega.

O governo de António Costa “ateou fogos” e deixou-os lavrar sem vontade de travar a sua evolução.

Além das forças de segurança, na Educação, na Justiça, na Saúde ou na habitação, as crises somaram-se e contagiaram outros sectores, enquanto Costa actuava no seu típico estilo de “mata-borrão”, acudindo às crises como se lhes fosse estranho.

O desnorte e o recrutamento de governantes no círculo mais próximo do ex-primeiro ministro, entre amigos e fiéis do partido, deu mau resultado e, em novembro passado, traduzia-se já num total de 13 demissões, entre ministros e secretários de Estado, no meio de muitas polémicas.

Foi este o “legado” de Costa entregue a Montenegro, enquanto preparava “a trouxa” para Bruxelas e Pedro Nuno não se fazia rogado com os parceiros parlamentares.

O endeusamento mediático de Costa, alavancado com a sua ida para o Conselho Europeu, procurou apagar — ou minimizar — o mau primeiro ministro que foi, ao desbaratar uma maioria absoluta que o eleitorado lhe serviu de “bandeja”.

Infelizmente, a memória colectiva é curta e mal informada e os comentadores avençados nos media — entre os quais avultam ex-governantes — tratam de branquear os oito anos de governação medíocre, recheada de “casos e casinhos”.

Depois, o “fervor patriótico” de ver um português investido em funções na “alta roda” europeia faz o resto…

Nota em rodapé: Esta coluna vai de férias, reaparecendo em 29 de julho. Aos leitores que a acompanham e a todos os que publicam os seus comentários (sempre bem-vindos), fica o recado. Até breve.