Nos dias de hoje, ninguém espera assistir a um clima de guerra com invasões bélicas. Guardamos essas imagens de guerras de há décadas. Mas a verdade, é que o tempo de paz para uns é paralelo ao tempo de guerra para outros desde sempre.

A grande guerra provocou a criação da Liga das Nações de modo a solucionar e prevenir conflitos entre Estados. Nesta sequência, foi fundado em Paris, o Instituto Internacional de Cooperação Intelectual, com o fim de criar um diálogo entre os distintos  intelectuais europeus, com origens culturais diferentes. O objectivo seria criar, no contexto de um novo humanismo, um pensamento próprio em prol da paz. Eisntein escreve a Freud, iniciando assim com ele uma troca de correspondência sobre o tema e resultando o caderno Why War?.

Ao reler as cartas entre um e outro, deparamo-nos com a atemporalidade e universalidade do discurso elaborado a partir do contexto que ambos viveram no momento deles, mas que pode ser alargado e actualizado a todas as guerras travadas desde então até à actualidade.

Einstein escreve a Freud em Julho de 1932. A primeira pergunta que lhe faz é considerando a autoridade de Freud como cientista psicanalítico, capaz de compreender as obscuras regiões da vontade e dos sentimentos humanos, se existe alguma forma de se livrar a humanidade da ameaça de guerra. Einstein pergunta e responde ao mesmo tempo. Vislumbra a criação de uma instituição legislativa, que por meio de um acordo internacional, possa arbitrar todo o conflito que possa surgir entre as nações; cada nação submeter-se-ia às ordens dessa iminente entidade legislativa. Considerando que em cada nação possa existir um grupo com fome pelo poder político e aspirações de carácter económico, considerando esses a guerra como uma oportunidade de expandir seus interesses pessoais, acrescenta  a pergunta como é que há homens capazes de se entusiasmar ao ponto de sacrificar suas próprias vidas. Responde de imediato que o homem encerra em si um desejo de ódio e destruição.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Freud responde-lhe em Setembro desse mesmo ano, aceitando tecer considerações sobre as indagações de Einstein, concordando e validando todas as respostas que acabou por dar às suas questões. Substitui a palavra poder por violência, explicando que os conflitos de interesse entre os homens são resolvidos através da violência, tal como no restante reino animal, do qual o homem não se exclui.  Após desenvolver explicações sobre a soberania pela força física no início da horda humana, substituindo-se essa força pela força intelectual,  fazendo uso de exemplos das guerras helénicas e cristãs ao longo dos tempos, Freud desenvolve ainda vastas considerações sobre as variantes formas de organização da comunidade e como esta se mantém unida, com mecanismos reguladores da ordem pela lei vigente, mas também as dificuldades e conflitos possíveis pelos grupos  e subgrupos poderem procurar tanto meios pacíficos como violentos para fazer imperar a dita ordem. Mas acaba por chegar já no final da carta, ao ponto  que lhe é mais caro, a sua teoria dos instintos.

São dois os instintos que possuímos: os que tendem a  preservar e a unir, que se denominam eróticos, no seguimento do sentido da palavra eros usada por Platão, e os instintos que tendem a destruir e a matar, os instintos agressivos ou destrutivos, tal Thanatos, personificação da morte na mitologia grega.  Ou seja, deparamo-nos com a polaridade amor/ódio, relacionada esta com o binómio atracção/repulsão.

Sem conjecturas moralistas, Freud defende a importância essencial da concomitância dos dois instintos. Pensemos em como nalgumas acções humanas ambos agem confluentemente. O instinto de amor dirigido a determinado objecto necessita de alguma contribuição do instinto de domínio para obter o objecto de desejo. Para atingirmos alguns resultados de sucesso no trabalho, precisamos de ser aguerridos.

Agora, o instinto agressivo isolado é denominado de instinto de morte (ao contrário do instinto erótico, que prevalece a aspiração a viver). O instinto de morte torna-se destrutivo quando é dirigido para fora; ou seja, o organismo preserva a sua vida destruindo uma vida alheia. Se for longe de mais, tudo isto se torna insano. Tal como as guerras sem sentido levadas a cabo.

Freud responde que só é possível prevenir a guerra, via a evolução cultural/civilizacional. Só favorecendo Eros, estimulando os vínculos emocionais, com amor e identificação entre os membros. Somos pacifistas, pelo resultado da evolução cultural, porque fomos capazes de deslocar os instintos primitivos destrutivos para o evoluir do nosso intelecto e internalizando os instintos agressivos. Somos pacifistas porque temos integradas estas características psicológicas e como tal, a guerra é um repúdio intelectual e emocional.

Poderíamos ainda falar dos aspectos narcísicos e maníacos associadas às personalidades que se regem pela destrutividade, mas tal não consta nas cartas do porquê da guerra. Compreender, pela troca de ideias entre Einstein e Freud, como se manifestam os instintos humanos regidos pelo ódio já perfaz a possibilidade de compreendermos como a exigência da civilização e da justiça implica restrições dos instintos destrutivos em prol da paz.

anaeduardoribeiro@sapo.pt