É do conhecimento público que a Europa está numa situação muito preocupante no que respeita à curva exponencial de infecção por Covid-19. Diariamente registam-se recordes de novos casos e mortos na Europa, estando Portugal no topo desta catástrofe.

O confinamento adoptado nestes países não resulta na prática, não estando a reduzir o número de casos diários, ou o tão falado “achatamento da curva”.

Portugal teve de adoptar um novo confinamento que será a priori de um mês, não se podendo excluir a hipótese de ser prolongado até Março, segundo afirmações proferidas pelos nossos políticos.

As 52 exceções que fazem parte deste confinamento já em vigor não nos dão nenhuma garantia de sucesso nem tão-pouco de atingir o objetivo que todos nós desejamos, que é, entre outros, a redução significativa da mortalidade.

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Porque é que o confinamento nos países europeus não atinge os objetivos propostos e nos países e regiões da Ásia se consegue controlar melhor a propagação da pandemia?

Vamos comparar o que foi feito em Macau no início da pandemia e o que atualmente continua a ser feito para ficarmos com uma ideia mais correcta sobre o que é um verdadeiro confinamento! E a escolha desta região não é feita acaso. Ela é reconhecida como um exemplo no combate à pandemia.

O que foi feito no início da pandemia e planificado posteriormente, jogando na antecipação, conseguiu este resultado que está à vista de todo o mundo: há meses que não surgem casos dentro da comunidade nem tão-pouco casos importados.

Para percebemos melhor a razão do sucesso, é crucial relembrar alguma geografia sobre Macau: é uma Região de Administração Especial da China. A população, principalmente chinesa (89%), ronda os 680 mil habitantes. Macau e Cotai têm uma área total de 33 quilómetros quadrados. É a região mais densamente povoada do mundo (21.340 habitantes/km2). Em 2019, quase 40 milhões de turistas visitaram Macau, a maioria deles provenientes da China continental.

Com este número impressionante de visitantes, a possibilidade de vir a ter um grande número de casos de Covid-19 era enorme!

Desde o início da pandemia, e até ao momento, foram confirmados 46 casos. Dez na comunidade e 36 importados de países como Portugal, Espanha, Filipinas, Estados Unidos, Grã-Bretanha.

Qual foi a cronologia dos casos?

No dia 22 de Janeiro de 2020 foi confirmado o caso 1. Todos os trabalhadores dos casinos receberam ordem para usar máscaras. A 23 de Janeiro foram detectados três novos casos. As festividades do Ano Novo Chinês foram canceladas de imediato.

Em todas as fronteiras, casinos e edifícios governamentais passou a ser medida a temperatura corporal a todas as pessoas. Passou a ser obrigatório o uso de máscara em todos os transportes públicos e supermercados.

A 26 de Janeiro é detectado o caso 5. O governo deu indicação para a população ficar confinada. Foi aconselhada a não frequentar espaços fechados, como cinemas ou restaurantes. Todas as escolas primárias e secundárias e o ensino superior foram encerrados por tempo indeterminado. Foi elaborado um Plano de Emergência nos centros de saúde e hospitais, com metade das equipas confinadas em casa e a outra metade trabalhando por turnos. As cirurgias programadas, exames de sangue não urgentes e consultas externas (apenas por telefone e em alguns casos por vídeo, como na consulta de dermatologia) foram suspensas.

Ao 12º dia, foram fechadas todas as fronteiras, com exceção de duas, com controle de temperatura e testes para Covid-19 obrigatórios implementados para todos os visitantes.

Ao 13º dia, todos os casinos foram encerrados por duas semanas, ginásios, bares e salões de beleza fecharam portas por tempo indeterminado.

Ao 15º, muitos hotéis também encerraram.

Cerca de 29 dias após o caso 1, foram reabertos um terço dos casinos, aplicando-se restrições quanto ao número de pessoas permitidas no interior, rastreio de temperatura corporal, uso de máscara e distanciamento social entre os jogadores.

Passou a ser obrigatório a todos os visitantes fazer o teste Covid-19 à entrada de Macau, permanecendo ainda em quarentena durante 2 semanas.

Todas as pessoas que chegavam a Macau eram orientadas pela equipa médica até ao hospital para a realização do teste para Covid-19. Mesmo que o resultado fosse negativo, eram conduzidos para um dos 13 hotéis alugados pelo governo para cumprirem quarentena. Antes da “alta” era realizado novo teste para confirmação de que o resultado se mantinha negativo.

Que medidas foram tomadas pelos serviços de saúde e pelo governo para conseguirem manter estes resultados até à data ?

  1. Mediram a temperatura corporal de todos os visitantes e pessoas em edifícios e locais públicos e privados;
  2. Distribuíram mais de 100 milhões de máscaras cirúrgicas à população (incluindo crianças dos 3 aos 8 anos);
  3. Prestaram muitas informações à população sobre o uso correcto de máscara e a necessidade da lavagem das mãos durante, pelo menos, 20 segundos;
  4. Informaram da importância de evitar o excesso de concentração de pessoas e manter distância social de dois metros;
  5. Pediram às pessoas que ficassem em casa;
  6. Fizeram o teste Covid-19 a todos os casos suspeitos, respectivos familiares e contactos;
  7. Organizaram vários programas de actualização e formação destinados aos profissionais de saúde da linha de frente;
  8. Adquiriram mais equipamentos de proteção individual (EPI) e ventiladores;
  9. A cada 14 dias, as equipas de médicos, enfermeiros e auxiliares de acção médica que estavam na linha de frente eram substituídas por outros grupos de profissionais de saúde;
  10. Criaram uma aplicação onde eram registados, para além dos dados pessoais de cada pessoa, o seu número de identificação, o local onde havia estado nos últimos 14 dias e se tinha algum dos sintomas mais frequentes de Covid-19;
  11. Recentemente, com o aparecimento das variantes da Covid-19 provenientes da Grã-Bretanha, Brasil e África do Sul, a quarentena à chegada à Região passou para 21 dias.

Houve um compromisso total entre as medidas governamentais e os cidadãos. Todos seguiram as orientações dos serviços de saúde e do governo, usando máscara corretamente, lavando as mãos com frequência, ficando em casa, mantendo distância social e evitando viajar. Foi um confinamento feito para parar os casos que surgiram na comunidade e controlar os casos importados.

O confinamento atual em Portugal, com mais de 50 excepções, não parece que seja a melhor solução! Numa situação de confinamento, o principal objetivo é, sem dúvida, a redução da velocidade de transmissão do vírus através da diminuição de número de pessoas em locais fechados e abertos. Com as excepções agora em vigor, este contacto vai continuar. As pessoas que violam as normas vigentes durante a pandemia devem ser punidas. Se as autoridades actuarem apenas preventivamente, sem coimas, os prevaricadores voltarão a cometer a mesma infracção.

Do ponto de vista da saúde pública, estamos num estado de sítio. As medidas sanitárias devem ser cumpridas com rigor por toda a população. Este confinamento, com 52 excepções, deve ser reavaliado a curto prazo pelo Governo e pela Direção Geral de Saúde. Com tantas excepções à regra, a possibilidade de conseguirmos atingir o verdadeiro objectivo é muito pequena. Infelizmente, o que vemos em Portugal também se verifica noutros países europeus. A irresponsabilidade individual de cada cidadão, aliada ao constante atraso nas tomadas de medidas, com contradições e excepções a mais, são as principais razões do insucesso do confinamento na Europa.

Parar tudo durante 15 dias, tal como fez Macau, seria uma boa solução e menos dispendiosa para a nossa economia, já por si em situação difícil. As medidas tomadas a conta gotas não resultam. Um dia aconselham o uso de máscara em local fechado, passado algum tempo já devemos usar a máscara em espaços abertos. Agora temos confinamento com escolas abertas e com dezenas de excepções.

Estas não são, certamente, medidas radicais para conter a pandemia. Numa guerra não podemos mostrar fraqueza nem oferecer prendas ao inimigo. As constantes excepções e o incumprimento sanitário da população alimenta, o vírus, que começa a ganhar variantes mais agressivas e contagiosas.

Perdemos muitas batalhas, mas só com a colaboração de toda a população no cumprimento das regras sanitárias e com uma planificação acertada e célere do plano de vacinação iremos ganhar esta guerra!