Ligar uma vida com sentido à construção de uma lógica com uma determinada finalidade parece ter valor. Chamam-lhe propósito, palavra de que não gosto particularmente e que me parece uma buzzword de moda. Mas seja. Todos gostam. A ciência gosta.

Ademais, a vida com sentido – será? – tem de ser pró-social e benigna. Estou totalmente alinhado com este pensamento. E diria mais, mesmo se em termos meramente opinativos, que é com atividade séria pró-social e benigna que o mundo mais evolui. E contribui-se para a sua evolução pela virtuosidade e pela positividade.

De resto, é um erro pensar que na evolução do homem ao longo da sua existência, do primata aos dias de hoje, foram mais os momentos bélicos e de ódios que os de aliança para a sobrevivência e evolução. A aliança, a colaboração, as entreajudas, mesmo entre grupos diferentes, trouxeram e trazem um sabor a continuidade e a certeza de uma evolução pela positiva.

Há, porém, estudos que mostram que a aversão e o ódio contra entidades coletivas (fenómenos sociais, institucionais, grupos) dão propósito à vida de muitos e estão ligados ao sentido de desconexão ou mitigação de ameaças, incertezas, confusão. Ou seja, parece haver um sentido para o ódio, podendo este conectar-se a fenómenos comportamentais que se ligam ao crescimento do entusiasmo e à criação de motivação e que, paralelamente, minimizam atemorizações e inibições de contexto.

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Desta forma, é muito normal encontrar motivação para ódios coletivos e ideológicos quando as circunstâncias – o contexto, presumo – se torna ameaçador. E isso é para muitos, também, propósito e tem sentido (pelos vistos!).

Há, dir-se-ia, uma certa capacidade de o ódio estimular e alimentar o propósito de vida e seu significado. Sobretudo quando o contexto exterior é hostil. O ódio introduz uma certa motivação na vida. E isso parece ser comprovado pela ciência (o estudo de Elnakouri, Hubley e McGregor publicado no Journal of Experimental Social Psychology, em 2022, é disso mesmo exemplo).

Isto explica talvez porque se vê tanto ódio contra grupos, formas de pensar, se extremam posições e não se procuram pontos de interseção. Conjunturas complexas e difíceis trazem cada vez mais momentos de ódios coletivos. Alimentando vidas. Dando-lhes sentido.

De resto, vemos isso por todo o lado. Ódios políticos, ódios contra clubes e agremiações, contra países, contra universidades, ódios contra empresas, ódios contra formas de pensar.

Isto tudo traz um denominador comum. Será que um propósito ou uma vida com sentido é ou pode ser permanentemente alimentada por ódios? A meu ver – um ver de “achismo” – não. Mas que esses ódios existem e se exacerbam não temos qualquer dúvida. Basta percorrermos televisões, jornais e redes sociais. Basta, às vezes, darmos uma aula.

Para mim, a grande questão que daqui emerge é esta. Como evitar que se faça a construção do que seja pelo lado maligno? Ou, mais importante ainda, como evitar que a conjuntura e o contexto sejam demasiado hostis para que essa construção de sentido de vida se faça pelo lado do ódio? Demasiado dispendioso e energeticamente extenuante.

Não tenho quaisquer respostas que não sejam ingénuas e mesmo provavelmente deslocadas. Mas prefiro mil vezes ouvir alguém dizer ou escrever “fizemos amor” do que “odeio esses gajos”. Não sei porquê mas palpita-me que não estarei muito acompanhado.

(Nota: O Paulo Finuras é o responsável pela ideia deste texto através de um Post no Linkedin; obrigado).