O processo formal de saída do Reino Unido (RU) da União Europeia (UE) tem estado envolto em polémica relativamente à forma como se deve desenrolar. Em parte, isso resulta do facto de o RU não ter uma constituição escrita. Mas, adicionalmente, existe legislação da UE que não permite apenas uma interpretação, pondo em realce a complexidade do processo. Como é que isso se pode explicar?

O referendo sobre a saída da UE ocorreu a 23 de junho de 2016, com um resultado de 51,9% dos votos a favor da saída e 48,1% pela permanência. A participação na votação foi de 72,2% dos eleitores. No entanto, independentemente da taxa de participação, o referendo não é vinculativo no RU e o governo poderia não ter em consideração o resultado, se assim o decidisse. Não é o caso em Portugal. De acordo com o nº 11 do art.º 115 da Constituição da República Portuguesa, um resultado com maioria e uma taxa de participação superior a 50%, é vinculativo.

No que respeita ao art.º 50 do Tratado de Lisboa, o seu nº 1 refere que “Qualquer Estado-membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar-se da União”. A questão é saber o que isso significa exatamente no caso do RU. Especificamente, quem é que no RU tem poder e legitimidade para invocar o art.º 50 e comunicar a decisão de saída. Segundo a recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça de Londres, o governo britânico não poderá desencadear o processo do Brexit utilizando a Prerrogativa Real, contrariamente ao que pretende a primeira-ministra britânica. Carece de aprovação pelo parlamento. A decisão do tribunal não surpreende, sendo o RU uma monarquia constitucional e o parlamento soberano. A decisão está a ser objeto de apelo, mas é pouco provável que haja alteração da decisão inicial. A aprovação deverá ser pelas duas câmaras do parlamento – a Câmara dos Comuns e a dos Lords. Existem até fortes probabilidades que o parlamento tenha de legislar sobre o assunto, para além de aprovar, porque o referendo resultou de um “Act of Parliament” – O European Union Referendum Act 2015.

A polémica pode ir mais longe porque muitos consideram que é previsível que seja necessário consultar os “Devolved Governments” (governos delegados), isto é, que os parlamentos da Escócia, do País de Gales e da Irlanda do Norte sejam consultados e se pronunciem sobre o processo.

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Para além disso, o nº 2 do art.º 50 refere que, após notificar o Conselho Europeu (CE) “[…] Em função das orientações do CE, a UE negocia e celebra com esse Estado (neste caso, o RU) um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a UE. […]”. Muitos questionam o que significa exatamente “tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a UE”. Não é claro e gera debate. Até porque as futuras relações podem incluir questões de comércio, cujos acordos são estabelecidos pela UE por unanimidade, e não por maioria qualificada, como é o caso do procedimento de saída, estipulado no art.º 50, nº 2.

Outros consideram que são questões diferentes. Uma é o acordo para a saída da UE, regulado pelo art.º 50, e outra é um acordo de comércio com a UE, que poderá ou não existir, dependendo do tipo de Brexit que vier a ser decidido pelo RU. Esta questão foi já levantada a 1 de julho pela Comissária Europeia para o Comércio, Cecília Malmström, quando referiu que o RU teria primeiro de sair da UE e, só depois, poderia negociar outros acordos.

Da forma como o assunto se apresenta, não surpreende toda a polémica que tem gerado. Por isso, o processo será complexo, longo e o resultado final, incerto.

Professor Auxiliar de Relações Internacionais na Universidade Lusíada