Uma questão provocatória: a seca que aflige todo o país (e que se tornou notícia preponderante no dia seguinte às eleições de 30 de janeiro, último) será apenas uma consequência da falta de chuva ou de uma governação baseada num “conhecimento” agro-florestal ultra-deficiente? Como se pode apreender, entretanto, a sabedoria da Natureza que parecia estar em equilíbrio até à revolução industrial?

Os povos magrebinos perceberam, na “pele”, a relevância da ação do homem sobre a Natureza, em sintonia ou contra ela, criando um ditado extraordinário, citado por alguns cientistas da ideia de voltar a apostar na “agrofloresta”. Reza o adágio: “a diferença entre o deserto e o jardim, não é a água, mas o homem”. Onde começa, nesse caso, a rutura com a Natureza?

Desde a “revolução dos cereais”, o homem parece procurar as “chaves” do futuro, não onde se perderam (na desflorestação para semear), mas onde os holofotes apontam (parafraseando Paul Watzlawick)

O ditado saheliano tem, por sua vez, tudo a ver com o conto do “Homem que Plantava Árvores” de Jean Giono. Um pastor ia deixando enterradas atrás de si, glandes e caroços de diversos géneros, num terreno desertificado, e (…), um belo dia, eis que os ribeirinhos voltaram a correr.

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Onde estão as críticas às lições da nossa escola que nos “vendia” (para decorarmos e, desse modo, nos dispensar do estudo do impacto de cada homem no ciclo da água) a ideia condutora era a de que a chuva se formava, longe do nosso controlo, a partir da evaporação da água dos oceanos. As nuvens que dessa forma se formavam faziam-na descer à terra, sob a forma de chuva. Ninguém ainda se lembrou de questionar essa “história”? É que os oceanos não mudaram de lugar, e já nesse período as nuvens tinham concentrado a sua ação pluvial, por excelência, do lado contrário, do Oceano Atlântico ao do Sahel. Os “ambientalistas podem andar a precipitar-se nas explicações e a aplaudir as propagandeadas medidas governamentais de “descarbonização da economia” e da promoção caríssima das energias ditas “renováveis”. Será que estas apenas seriam renováveis nos rendimentos aos seus “beneficiários”? O que é que tudo isto tem a ver com o problema da florestação/desflorestação?

Aquilino Ribeiro (na sua obra-prima de protesto antifascista “Quando Os Lobos Uivam”, 1958) levantou-se contra a mono-florestação de pinheiros bravos nos terrenos baldios da Beira Alta. Numa primeira consequência, as ciências florestais parecem não ter dúvidas de que as árvores do tipo das “coníferas” não libertam os “microelementos” que permitem fixar a humidade do ar. Eram, sobretudo, as “folhosas” e outras árvores da floresta tradicional portuguesa que possuem esse poder “de mandar chuva”. Como segunda consequência, diríamos que a ação da DG das Florestas de então foi eficaz, transformando aqueles pinhais (e os outros tipos de mono-florestas) em terreno “fértil” para a “futura e risonha” indústria dos incêndios. Talvez, por isso, os interesses denunciados por Mestre Aquilino não terão sido beliscados nestes anos do pós-revolução dos “cravos”. O que fazer, se se faz tarde?

Podemos retomar sobre o controlo de cada ser humano, sem esperar por um Estado “por demais incompetente”, a gestão do ciclo da água, se se perceber que é o solo vivo, coberto em permanência contra a ação direta do sol, por plantas (tanto ervas como legumes com valor comercial) e árvores de fruto, o mais diversas e próximas umas das outras, quanto possível. É essa solução agroflorestal que criaria uma rede compacta de raízes e de cogumelos, onde passaria a existir todo o tipo de vida, desde a microscópica às minhocas ou às toupeiras, criando-se a base da produção da “biodiversidade”. A densidade destes “bosques agroflorestais” poderia, segundo alguns cálculos, albergar qualquer coisa como 1800 árvores por hectare, havendo, ainda, espaço para todo o género de hortícolas e de produção animal ao ar livre. Esta solução permitiria reter a água das chuvas (em micro-alvéolos desenvolvidos pelos seres microbianos) e, no verão, conseguir alimentar estes “bosques agroflorestais” com base na rega “gota a gota”.

Esta hipótese de trabalho permitiria, por outro lado, criar riqueza e emprego, na produção e na distribuição, constituindo-se como uma poderosa alavanca de desenvolvimento das regiões do interior, incluindo as da zona de minifúndio. Naturalmente, muita coisa teria que mudar a nível dos interesses instalados pela política de descarbonização que consideramos meramente “ficcional”. Prosseguindo a nossa reflexão, uma solução de tipo “cooperativa de produção e de consumo”, à imagem da que existe em ligação com a Herdade do Freixo do Meio, poderia articular as necessidades da restauração e das famílias com as “redes” de pequenos produtores guiados por estas práticas. O modelo proposto poderia revelar-se como uma solução revolucionária para a seca “estrutural”, para o excesso de CO2 na atmosfera, para a falta de fundos para investimentos proibitivos em dessalinizações “ambientalmente ruinosas”, ou para “investigações que se dispensam de formular problemas”, bem como para a falta de emprego inclusivo.

As novas tecnologias potenciariam, além do mais, todas as fases da modelagem do processo empreendedorístico proposto, em lugar de estarem apenas a servir de suporte a um coro de carpideiras profissionais de “militantes do clima”. Esta posição teria como destinatários todos os cidadãos que como produtores ou como consumidores seriam os promotores da solução agroflorestal para o nosso sistema agro-industrial, de saúde, turístico, entre outros.

As dúvidas (legítimas) podem, enfim, ser esclarecidas com o que se passa na Herdade do Freixo do Meio, em Montemor o Novo, onde este novo paradigma já é um património do Portugal do futuro.