Miguel Monjardino (Expresso, 22.02.16) lança uma excelente sugestão para ultrapassar, com sucesso, o atual impasse sobre o futuro da base da Lages nos Açores. A sugestão passa por aproveitar todo o complexo ali existente, instalando um centro internacional sobre conhecimento, investigação e tecnologias ligadas ao mar.

Estaremos perante um projeto inovador, no meio do Atlântico, no cruzamento de vários continentes, fazendo de Portugal um centro de excelência numa área tão fundamental para o nosso futuro coletivo.

Também durante a passada semana, a Câmara Municipal de Lisboa, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, apresentou um estudo de grande qualidade com o título: Lisboa uma Metrópole do Atlântico. Aqui se apresenta, numa perspectiva integrada, multidisciplinar e inovadora, uma nova janela para aproveitar a nossa varanda atlântica.

Ou seja, quase em simultâneo, temos duas referências que convocam para escrever sobre Portugal e o mar. Não, porventura, para ser inovador, mas para insistir na importância geopolítica e geoeconómica do mar, particularmente para um país com a nossa localização, a nossa história ligada aos oceanos e, sobretudo, um país que tem que voltar a ver no mar e nas relações transatlânticas, o outro lado do nosso pêndulo europeu.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para falar deste tema bastaria relembrar Fernando Pessoa, na Mensagem: “ó mar salgado quanto do teu sal são lágrimas de Portugal “. É preciso, todavia, ir mais além. É preciso ver no mar, não apenas o nosso passado mas, sobretudo, o nosso futuro!

É verdade que muitos têm sido os estudos (basta lembrar o excelente trabalho coordenado pelo saudoso professor Hernâni Lopes sobre o cluster do mar)) e as comissões criadas para apostar no mar. É verdade, também, que o discurso político aí tem encontrado um filão para acenar com as ilusões habituais.

Porém, muito há ainda a fazer neste domínio, quer através dos nossos próprios recursos e vontades quer em articulação com as políticas para o mar levadas a cabo pela União Europeia.

Com efeito, a Europa, em geral, e Portugal, em particular, dada a respetiva localização geográfica, sempre tiveram uma relação privilegiada com o mar. Ainda assim, Portugal, nas últimas décadas, esqueceu ou menosprezou essa relação. Por isso, hoje, mais do que nunca, o mar, a sua economia (chamada de azul), os seus respectivos recursos sustentáveis, deverão ter um papel cada vez mais relevante.

Vejamos alguns dados.

De acordo com a Comunicação “Crescimento Azul”, adotada pela Comissão Europeia, em Setembro de 2012, o setor da economia do mar tem um papel muito relevante na recuperação da economia. Concetualmente, a “economia azul é composta por diferentes setores interdependentes, que se baseiam em competências comuns e infraestruturas partilhadas (como os portos) e dependem de uma utilização sustentável do mar por parte de todos”.

Isto é, segundo a Comissão Europeia, se contabilizarmos todas as atividades económicas que dependem do mar, a economia azul representa cerca de 5,4 milhões de empregos (2,4% do emprego total da EU 27) e um valor acrescentado bruto de quase 500 mil milhões de euros por ano (4,4% do VAB total).

Espera-se, também, que até 2020 estes valores subam para 7 milhões de empregos e cerca de 600 mil milhões de euros, respetivamente. E, como refere ainda a Comissão, “os portos e as comunidades costeiras, dada a sua configuração geográfica aberta ao exterior, são tradicionalmente centros de novas ideias e de inovação.”

Em simultâneo com esta propensão para inovar, surgem ainda três novos elementos:

Em primeiro lugar, os avanços tecnológicos permitem agora realizar operações no alto mar a profundidades cada vez maiores. A robótica, a videovigilância e a tecnologia dos submersíveis, são agora sistematicamente incorporadas em equipamentos utilizados para efetuar operações que não eram exequíveis há dez anos.

Em segundo lugar, os cidadãos estão cada vez mais conscientes de que o solo e a água doce são recursos finitos. Tornando-se, por conseguinte, mais urgente refletir sobre a forma como os 71 % do planeta, cobertos por oceanos, podem responder, de uma forma mais sustentável, às necessidades em matérias-primas, produtos alimentares e novos materiais usados nas tecnologias de informação.

Em terceiro lugar, a necessidade de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, não só conduziu à implantação de instalações de produção de energia renovável junto à costa oceânica, como favoreceu a poupança de energia e a utilização do transporte marítimo em detrimento do terrestre, com menores emissões por tonelada-quilómetro.

Ora, face a este quadro e perante as suas características muito próprias, de que se destaca a extensa fronteira marítima e a sua atual Zona Económica Exclusiva, de 1.850 mil, km2, quase 2 milhões de km2, Portugal revela enormes potencialidades. Potencialidades essas que justificam, plenamente, uma aposta na economia do mar, enquanto alavanca de crescimento e desenvolvimento, quer porque nos traz dimensão (somos não só a maior zona económica exclusiva da Europa, como a 11ª no mundo) quer, ainda, porque com o levantamento da nova Plataforma Continental, ficaremos entre os primeiros países oceânicos.

E a economia do mar tem um efeito multiplicador numa elevada diversidade de atividades produtivas. Na verdade, para além da vertente estritamente económica, o mar possui um valor estratégico nas dimensões ambiental, cultural, de segurança, de investigação e de lazer. O investimento nos setores ligados à economia do mar é, assim, claramente reprodutivo, gerando riqueza e criando, consequentemente, emprego: a nossa grande necessidade estrutural.

Mas, pese embora o seu elevado potencial, os estudos mostram que a economia do mar assume em Portugal uma dimensão muito reduzida, comparando mal com outros países da UE com condições naturais muito inferiores. O valor direto do conjunto das atividades marítimas é de cerca de 2,5% do PIB, sendo que em alguns países costeiros europeus chega a valer 6% do PIB. Infelizmente, também, apenas emprega 1 % da nossa população ativa.

E como setores com possibilidade de expansão, os mesmos estudos apontam para o portuário, a fileira da pesca, em particular de alguns subsetores da conservação e transformação de pescado, a aquacultura, as empresas de comércio por grosso de pescado, alguns subsetores do lazer e do turismo marítimo (como é o caso do turismo de cruzeiros e o surf), as energias offshore (caso da novas plataforma para geração eólica) e outros novos usos e recursos do mar (biologia e mineração).

Em suma, temos potencial, mas é necessário reforçar a competitividade da economia do mar. Portugal tem de ser atrativo, capaz de fixar empresas e fomentar o investimento, superando os constrangimentos ainda existentes e já claramente diagnosticados.

Num quadro caracterizado pela crescente internacionalização da economia portuguesa e, fundamentalmente, focado nas exportações para mercados extra União Europeia, o mar assume assim uma importância acrescida (basta pensarmos que 80% do nosso comércio internacional é feito por mar).

Acresce que a localização fronteira no Oeste da Europa, onde confluem tráfegos marítimos provenientes de todo o mundo, (que terão tendência para aumentar, face às ameaças pós-primavera árabe sobre a rota do Suez ou sobre os gasodutos do metano da Argélia, e às oportunidades criadas pela próxima abertura das novas eclusas do canal do Panamá, aproximando da nossa costa o tráfego marítimo proveniente do Extremo Oriente ou da costa Oeste dos EUA), permitirá a Portugal explorar melhor os seus portos e transportes marítimos. É preciso, por exemplo, confirmar Sines como um porto de transhipment de referência no comércio marítimo internacional de e para a Europa.

Saliente-se, por fim, que A Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020, reforça estas observações ao referir que a sua grande finalidade é, sobretudo, a “valorização económica, social e ambiental do espaço marítimo nacional através da execução de projetos sectoriais e intersectoriais, assim como dos planos estratégicos de âmbito nacional já existentes ou em fase de preparação”.

Isto é, dos atuais 2,5% do PIB Portugal deverá passar para valores próximos de 4%. É preciso ter consciência, todavia, que os resultados a alcançar nesta matéria dependem muito do grau de envolvimento e articulação de todos os intervenientes, públicos e privados.

Neste ponto fundamental, a realização esta semana de um conselho de ministros dedicado ao mar, com a presença simbólica do senhor Presidente da República, constitui um sinal da necessidade desse mesmo envolvimento ao mais alto nível. O mar e o seu aproveitamento humano sustentável, como prioridade estratégica, poderão ser, finalmente, uma prioridade estratégica nacional.

E é também por isso, que o reaproveitamento das Lages, depois do seu uso militar, fins ligados ao mar a uma escala internacional, pode ser um grande passo para concretizar essa prioridade estratégica. Numa Europa cada vez policêntrica, Portugal pode assumir-se, assim, como o novo centro atlântico.

Termino, invocando as palavras de Tiago Pitta e Cunha, no último número da revista XXI, quando afirma que “o mar é a última fronteira do planeta”. Pois, se assim é, convém sermos os primeiros a chegar. Afinal de contas, sempre estivemos mesmo ao lado.

Professor universitário