Portugal encontra-se a viver, seguramente, o momento mais difícil desde a transição para a democracia. Por um lado, a pandemia está a levar o país e o seu sistema de saúde ao limite. Por outro lado, a crise económica e social que se avizinha será dramática, especialmente com o novo confinamento imposto devido, em larga medida, aos erros clamorosos de gestão do governo durante o período das festas. Durante o mês de Dezembro falei com vários colegas espalhados pela Europa cujos países estavam, na prática, com fortes restrições de circulação e determinavam o fecho de lojas, restaurantes, e comércio não essencial – por exemplo, a Alemanha, a Áustria e Itália. O governo de António Costa, ajudado por Marcelo Rebelo de Sousa, optou por “salvar o Natal”, fazendo um “pacto de confiança” com os Portugueses, e todos nós pagaremos o preço – sanitário e económico — por isso. Haverá o momento de prestação de contas nas próximas eleições, nas quais, espero, os Portugueses lembrar-se-ão de tudo isto e punirão o incumbente.

Nas eleições presidenciais que estamos a viver, após os debates, esta é a maneira como vejo cada candidato.

  1. Marcelo Rebelo de Sousa teve prestações boas nos debates. Especialmente com André Ventura, o incumbente conseguiu desmontar o discurso do líder do Chega e marcar com clareza a linha de separação entre a direita moderada e a direita radical. É certo que, por inabilidade dos candidatos, Marcelo não tem sido confrontado com as suas relevantes relações pessoais com os antigos donos disto tudo ou com a sua inacção perante dislates governamentais, como o caso do SEF, a nomeação corrupta e fraudulenta de um procurador, ou a recente acusação, absolutamente delirante, por parte de António Costa de que Paulo Rangel e Miguel Poiares Maduro fariam parte de uma conspiração internacional para abalar a credibilidade de Portugal. É certo que, como sabemos, desde os tempos do outro catedrático, de Finanças, não discutir a pátria é um desígnio nacional.
  2. Ana Gomes tem sido uma profunda desilusão. Mal aconselhada, numa tentativa de parecer mais ‘presidenciável’, trocou o estilo aguerrido e corajoso, que é a sua imagem de marca, por um conjunto de banalidades que não apontam uma luz de futuro para o país. É certo que, comparada com Marcelo Rebelo de Sousa, Ana Gomes continua a ter muitíssimo mais mundo e uma visão muito mais moderna para o país. Numa época pandémica na qual, no fundamental, a campanha política se resumirá aos debates, perdeu a grande oportunidade de fazer a sua campanha descolar. Receio que fique atrás de Ventura, num sinal muito negativo para a nossa democracia, embora com culpa no cartório.
  3. André Ventura tem aproveitado o palco nacional como nunca. Perdeu claramente os debates com os candidatos de direita, e ganhou-os à esquerda. Aproveitou bem os erros de Marisa Matias e Ana Gomes, que afirmaram, num grave erro de palmatória, não só o desejo de ilegalizar o Chega, mas também que não dariam posse a um governo apoiado pelo mesmo. O estilo de André Ventura é vergonhoso, mal educado, e baseado puramente em argumentário de café. A sua obsessão com pedófilos e ciganos é inexplicável. No entanto, é possível que haja uma parte não negligenciável do eleitorado que se revê nesta maneira de fazer política. Um bom resultado de Ventura deve levar a elite política a pensar muito seriamente sobre o futuro que pretende para Portugal. Os populistas dão respostas erradas às perguntas certas e, muitas vezes, são um mecanismo de demonstração de sentimentos de incómodo profundo na sociedade.
  4. Marisa Matias arrisca-se a ter um resultado humilhante. A acreditar nas sondagens, a candidata do Bloco de Esquerda terá menos de metade do apoio das últimas presidenciais. Ficou, aliás, claro no debate com Ana Gomes que as duas candidatas dever-se-iam ter unido numa candidatura única, a qual teria francas hipóteses de ter um segundo lugar sólido, impossibilitando a vitória simbólica de Ventura. É pena que a pequena política partidária tenha impossibilitado um acordo. No entanto, o Bloco e a ala esquerda do PS – que apoia tacitamente Ana Gomes – ainda vão a tempo de evitar o desastre.
  5. João Ferreira terá, a acreditar nas sondagens, o pior resultado de sempre em presidenciais para o PCP. Na sequência de resultados péssimos desde 2015, o PCP precisa desesperadamente de fazer sinal de vida. Infelizmente, as presidenciais não parecem estar a correr de feição aos Comunistas. O número de fiéis decai, especialmente em tempo de pandemia, durante a qual, a composição etária do eleitorado do PCP não ajuda à mobilização.
  6. Tiago Mayan Gonçalves tem sido uma boa surpresa. Apesar de ter manifestamente pouco à vontade em televisão, tem um discurso articulado que faz algumas perguntas certas. É difícil discernir se há algo mais do que um conjunto de chavões liberais, mas, sem dúvida, trouxe uma lufada de ar fresco.

A meio da campanha eleitoral, em plena pandemia e novo confinamento, os Portugueses têm poucas razões para ter esperança. Aliás, o melhor momento de campanha, e que demonstra sem qualquer tipo de dúvida a total incapacidade de Marcelo Rebelo de Sousa para ser Presidente da República, ocorreu logo no segundo dia de debates. Confrontado por Mayan Gonçalves com o facto de ir “terminar seu mandato, muito provavelmente, como o presidente do país mais pobre da Europa”, Marcelo limitou-se a responder “por que é que os Portugueses não hão-de aproveitar o dinheiro do programa de recuperação e resiliência para fazer saltos e mudanças estruturais fundamentais?”. O mais grave nesta resposta consiste na ideia de que Portugal será um mero receptáculo de dinheiro Europeu. Ora, se receber muito dinheiro europeu fosse suficiente para transformar o país numa economia avançada e rica, há muito que já lá teríamos chegado. Afinal de contas, há décadas que recebemos dinheiro de programas europeus. Marcelo não fala – e, mais grave, não percebe – da necessidade dos agentes políticos nacionais promoverem reformas económicas e institucionais e abandonarem o modelo de capitalismo, clientelismo e compadrio que tanto os beneficia. A dita bazuca – nome que Marcelo afirmou que não gosta, porque, como todos sabemos, um catedrático é sempre rigoroso na terminologia – será mais uma oportunidade perdida. Aliás, ainda antes da sua novela com os repetidos testes ao covid-19, Marcelo pretendeu esvaziar a campanha. Não tem director de campanha. Não tem site. Não tem presença nas redes sociais. Não tem um único documento programático sobre as suas ideias para a presidência e para o país. Prescindiu, aliás, dos tempos de antena. O senhor Presidente da República pretende esvaziar a democracia, numa atitude profundamente populista, porque ele não tem necessidade de apontar ideias ou caminhos, afinal de contas “todos sabemos o que ele acha”. Caminhamos, alegremente, para um plebiscito de um regime esgotado, onde nos arriscamos a ter uma abstenção superior a 80 por cento. António Costa ficará contente. Um Marcelo fragilizado em Belém é o seguro de vida do governo.

P.S.: O título ‘Portugal em Transe’ foi ‘roubado’ a um livro de José Medeiros Ferreira, de 1985, sobre o PREC.

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