Pode-se dizer que é fundamental ter um país Pacífico (atestado pelo Global Peace Index – GPI e por alguma prática). Nós nem lhe damos grande valor porque vivemos com a Pacificidade em permanência. Mas perguntem a todos quantos não a têm qual o valor que lhe atribuem? É uma espécie de Segurança, sem o ser efetivamente. E estar no pódio da Pacificidade mundial é um ativo interessante para Portugal, pelo menos à primeira vista. Porém, é necessário mantê-lo, é necessário nutri-lo, é necessário alavancá-lo. E, sobretudo, é necessário explicá-lo. O que á a Pacificidade à portuguesa?

A Pacificidade é, sem dúvida alguma e quando vista de dentro e de fora, um dos ativos mais importantes e emblemáticos de Portugal. Estes brandos costumes levam-nos a lugares invejáveis, ao pódio, e isso faz-nos ter procura de alguns tipos: turística sobretudo. Turismo e pacificidade correlacionam positivamente, é um facto.

Mas temos mais. Temos também alguns investidores interessados (não como gostaríamos de ter pois, antes de tudo, temos de nos entender quanto ao que significa Pacificidade) em investir mais seriamente em capitais cosmopolitas e europeias como Lisboa e Porto ou, com outros predicados, por todo o Algarve. Para não falar de outras paragens que começam a suscitar, pelo menos senão investimento continuado, curiosidade. Leia-se algumas propriedades extensas no Alentejo e Algarve e outras, menos extensas mas mais produtivas, no Douro. Mas este investimento não vai muito além da componente imobiliária mais especulativa. E assim temos turismo e imobiliário especulativo. E porque não outro investimento? Já lá vamos.

A somar a isto convém dizer que temos mais que Pacificidade. Um clima fantástico, talvez mesmo o melhor da Europa. Há outras paragens mediterrânicas com climas tão bondosos como o nosso mas, em todo o caso, é bom saber que o clima pesa e conta na decisão de escolher férias ou de fazer algum tipo (seletivo, muito seletivo) de investimento.

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Depois, temos a nossa famosa comida. Come-se bem e barato. O bem é bom para nós e para todos. O barato, talvez nem por isso. Queremos atrair por ser barato? Enfim, é uma variável da equação e que pode pesar. Como, de resto, o ser quase tudo ainda muito barato por Portugal se, leia-se, comparado com outros destinos europeus. Os salários também não comparam bem com os dos restantes países europeus.

Se visitarmos os doze pilares da competitividade do World Economic Forum (WEF) vamos facilmente ver que eles assentam em Instituições, Infraestruturas, Adoção de Tecnologias, Estabilidade Macroeconómica, Saúde, Competências Pessoais (Skills), Mercado de Produtos, Mercado de Trabalho, Sistema Financeiro, Dimensão do Mercado, Dinamismo dos Negócios e, finalmente, Capacidade de Inovação. Ora a Pacificidade, não estando diretamente lá, está metida de alguma forma na Segurança que, por sua vez, é uma derivada do pilar Instituições, o primeiro acima referido.

Vejamos então como estamos em matéria de Segurança, que correlaciona positivamente, óbvio, com Pacificidade.

Na aceção do WEF apenas nas Instituições terá cabimento a Segurança. Aliás, dentro das Instituições figuram subcapítulos como Segurança, Capital Social, Checks and Balances, Performance do Sector Público, Transparência, Direitos de Propriedade e Corporate Governance. A Segurança, por sua vez, inclui custos do crime organizado, taxas de homicídio, incidência de terrorismo e fiabilidade das políticas de segurança. A Segurança, medida de que forma seja, é de facto uma alavanca para o capítulo Instituições e para o país. É sem dúvida um ativo importantíssimo, tal como a Pacificidade que com ela correlaciona. No Report de 2018, Portugal aparece com 90,5 pontos em 100 possíveis e um honroso 12º lugar mundial em Segurança (mas que não dá pódio e aqui podemos começar a tentar perceber alguns porquês). Se em Segurança, no global das Instituições, temos um 12º lugar é bom ver que em Instituições, no total, Portugal aparece, apenas, em 30º lugar com um total de 64 pontos em 100 possíveis, com a Nova Zelândia a liderar com 82 pontos em 100 possíveis. Nova Zelândia que é, de resto, um quase líder, com a Islândia, em Pacificidade pelo GPI. Como pode tal acontecer? Algum mistério?

Mais uma vez, repito, para dizer que a Segurança é um fator muito bom, como a Pacificidade é muito boa. Estas características propiciam-nos um clima de paz, tranquilidade e qualidade de vida de certa forma ímpares. Não obstante, precisávamos, só neste pilar das Instituições do WEF, de mais alguns elementos fortes como por exemplo a Performance do Sector Público ou os Checks and Balances para podermos respirar melhor. Para que a Segurança viesse acompanhada. Para que a Pacificidade andasse de mãos dadas com outras dimensões.

A puxar a média global do WEF para cima temos o nosso Sector da Saúde, por muito mal que se diga dele, as Infraestruturas ou mesmo a Estabilidade Macroeconómica (por paradoxal que pareça). Mesmo as nossas Competências Pessoais (skills) e o Dinamismo dos Negócios puxam para cima. Ao acabarmos com 70 pontos médios e um 34º lugar as Instituições não estão a ajudar mas, antes, a puxar a média, em pontos, para baixo (64 pontos no global do ranking, com média de 70). Ou seja, a Segurança é boa, muito boa, mas, no geral, as Instituições não estão a ajudar o que deviam e podiam a nossa Competitividade. A Segurança está, pois, desacompanhada. Como está a Pacificidade. Ou existirá aqui outro fenómeno?

Dir-se-á, numa análise superficial, que a responsabilidade é dos cálculos, i.e., que o peso da Segurança deveria ser maior no global. Verdade ou não, a questão é que não é. E a responsabilidade não é dos cálculos. E, também, a Segurança (como a Pacificidade), sendo muitíssimo importante, não trás necessariamente mais investimento direto externo mas, antes, turismo e qualidade de vida a quem por cá anda (tout court).

Precisamos, pois, de mais argumentos positivos para somar à Segurança e à Pacificidade. Será isto? E para somar à Competitividade, no cômputo geral, já que, infelizmente, nem o nosso clima nem a nossa comida figuram como variáveis dos rankings. E muito menos o futebol ou o fado. E bem. Porque, na prática, em nada influem a Competitividade do país ou a Pacificidade. Mas é mesmo assim?

Até aqui tudo muito bonito mas convém contar a história toda e saber mesmo como se chega ao terceiro lugar dos mais Pacíficos pelo GPI (o nosso lugar no pódio da Pacificidade). Podia ser por via da Pacificidade Positiva como da Pacificidade Negativa ou, mais comumente, das duas. A Pacificidade Positiva é transformacional e assenta em alguns pilares fundamentais: estruturas de governo funcionais, boas condições económicas da envolvente, aceitação dos direitos dos outros, relações de boa vizinhança, fluxo livre de informação, bons skills do capital humano, baixos graus de corrupção e distribuição igualitária de recursos. Na verdade, Portugal apresentou-se em 2018 como estando em 20º lugar na Pacificidade Positiva. Ao contrário dos demais países do ranking da Pacificidade e que  connosco ficaram no pódio. Esses têm elevados graus de Pacificidade Positiva. Portugal não.

Como chega então Portugal ao pódio da Pacificidade? Sobretudo por via da Pacificidade Negativa. E o que é Pacificidade Negativa? É a ausência de violência ou medo da violência. São os brandos costumes e a repressão que nos auto impomos. Isto dá-nos pódio na Pacificidade. E é precisamente porque conquistamos o pódio pela Pacificidade Negativa que não aparecem correlações com a Competitividade. É precisamente pela Pacificidade Negativa que podemos, por via da repressão, vir a ter problemas futuros. E atingir o pódio assim, embora no global seja um pódio e um bom resultado e se sinta essa Pacificidade, a verdade é que a transformação que se consegue pela Pacificidade Positiva não se consegue pela Negativa. A Pacificidade Positiva é Transformacional, como referimos. A Negativa representa apenas medo.

A Pacificidade Negativa é, assim, uma espécie de medo de existir. Medo, saudade, fado e brandos costumes – comida boa e bom clima a contribuírem. Sim, tudo isto nos dá hoje paz. Mas pode não nos dar, necessariamente, no futuro. Isto é profundamente cultural. Mas não nos leva a desenvolvimento económico. É bom saber que existe normalmente uma forte correlação entre Pacificidade Positiva e Negativa. Mas não no caso de Portugal onde essa correlação é bastante mais baixa que o normal, verificando-se um défice de Pacificidade Positiva.

Somos, de facto, aquele povo singular, com características singulares, que é muitas vezes difícil de entender. Somos aquele Portugal de José Gil. O Portugal com medo de existir. O que nos trará o futuro? Ninguém sabe. Somos sempre uma espécie de outlier que aparece nos rankings sem saber bem como. Não nos sabemos explicar. Mas somos, por enquanto, Pacíficos. Ou seremos antes Passivos? Se é este o argumento para a Pacificidade… não deixa de ser profundamente assustador. E nunca nos tornará competitivos.

Presidente do INDEG-ISCTE Executive Education; Professor Catedrático do ISCTE–IUL