“O futuro de Portugal passa pela indústria”. “É preciso reindustrializar o país”. “Temos que reter em Portugal o valor acrescentado do que produzimos”. Este é o tipo de jargão recorrente e muitas vezes repetido por políticos e comentadores, em conferências, entrevistas e espaços de opinião. E, dito desta forma, ninguém tem dúvidas da importância e urgência das afirmações. O país precisa de exportar mais, de reter talento, de apostar em I&D, de crescer, de gerar mais emprego. Mas, para isso, não chegam os serviços e o turismo, que tão bem têm feito à economia nacional. É preciso indústria.

Numa altura em que recebemos a maior transferência de sempre de fundos de Bruxelas, é urgente não só percebermos como o vamos usar, como também como vamos valorizar aquilo que produzimos, enquanto consumidores, entidades contratantes e mesmo enquanto Estado. Porque não basta repetir que queremos ser um país produtor, de inovação e elevada eficiência. É fundamental que saibamos investir na nossa indústria e naquilo que produzimos, como tão bem fazem os nossos vizinhos europeus, Espanha, Alemanha, França, Itália ou Países Baixos.

Sejamos claros: nos concursos públicos dos países referidos – e em tantos outros – existem lotes para empresas de incorporação de produção europeia e regras para que, quem concorra, cumpra com os mesmos requisitos, as mesmas imposições legais e as mesmas certificações que são exigidas às empresas europeias. O princípio parece básico, mas a verdade é que está longe de ser aplicado em Portugal. Servirão, assim, parte dos fundos do PRR para financiar, através de empresas veículo criadas para o efeito, produção fora da Europa, em condições cuja qualidade e respeito socio- ambiental ninguém pode atestar?

Acresce, a isto, o princípio de reciprocidade, que deveria imperar quando abrimos, e bem, as portas da Europa a empresas de outras geografias. Isto porque muitas vezes os países de origem de quem vence concursos em Portugal não permitem a entrada de empresas estrangeiras nos seus concursos internos, desvirtuando as regras de mercado e de livre concorrência. Poderão perguntar: e de quem é a culpa? Será de quem ganha dos dois lados ou de quem compactua, numa visão de curto prazo e baseada exclusivamente em preço anormalmente baixo, para que a indústria europeia seja fortemente penalizada?

Mas tudo isto terá assim tanto impacto na nossa vida? É simples de perceber. Com a dificuldade de recrutamento especializado que se sente em Portugal, com os custos logísticos e de transporte a aumentarem e com as vendas locais a reduzirem, é legítimo que se pense na instalação de unidades de produção mais próximas dos principais mercados. Não é essa a vontade de quem produz. Mas também não deveria ser de quem contrata em Portugal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR